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Apesar de êxito, Bachelet vê apoio se esvair
No Chile, onde classe média educada e exigente perdeu medo de criticar, bons índices econômicos e sociais são pouco
Protestos e manifestações
são comuns; para analistas,
imediatismo, desigualdade
persistente e individualismo
alimentam a insatisfação
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A SANTANDER
Pesquisa divulgada anteontem revela que a presidente do
Chile, Michelle Bachelet, perdeu mais de 20 pontos percentuais de popularidade em apenas 16 meses de governo. O número dos que desaprovam a sua
gestão já empata com o dos que
aprovam -41% em cada grupo,
segundo o trabalho do Centro
de Estudos Públicos (CEP).
Apenas 24% dos entrevistados acham que a situação vai
melhorar nos próximos 12 meses. Os resultados contrastam
com os números do Chile oficial: a economia deve crescer
6% neste ano e o desemprego
foi reduzido a 7%. A população
abaixo da linha da pobreza foi
reduzida a 13%, o menor número da região, sendo que era de
45% há 20 anos.
Ainda assim, no último ano o
Chile foi sacudido por greves de
estudantes secundaristas e universitários, de profissionais da
saúde, mineiros e funcionários
públicos. Também houve protestos contra um novo sistema
de transporte público na capital que começou de forma atabalhoada.
Por que o mal-estar e o pessimismo no país tido como modelo de crescimento e estabilidade da América Latina? O bolo cresceu e não foi dividido?
Ou as manifestações mostram
um povo mais exigente?
As duas coisas, respondem
vários especialistas chilenos
ouvidos pela Folha em seminário realizado na Espanha na semana passada. Uma das mesas
debateu a emergência da classe
média do Chile.
"Perdemos o medo do conflito, de discordar. Os movimentos sociais já não temem pressionar ou criticar a Concertação [aliança de centro-esquerda no poder desde 1990]", diz a
historiadora Lucía Santa Cruz.
"Mas a desigualdade social
mantém sua persistência histórica. No Chile, todos enriqueceram e o número de pobres
encolheu, mas a diferença entre ricos e pobres persiste", diz.
A renda dos 20% mais ricos é
treze vezes maior que a dos
20% mais pobres.
Perto da Europa
O PIB do país cresceu em 15
dos últimos 17 anos. A maioria
de seus indicadores sociais o
deixa mais próximos da Europa
que da América Latina: o analfabetismo é de 3%, a mortalidade infantil é de 7,6 por 1.000
nascidos vivos e a expectativa
de vida é de 76 anos (no Brasil, o
analfabetismo é de 11%, a mortalidade infantil é de 27 por
1.000, e a expectativa de vida é
de 71 anos).
A renda per capita do país,
que era menor que a do Brasil
em 1980, hoje é 50% maior, de
US$ 12.700. "O Chile virou um
país onde a classe média é majoritária, logo ficou mais individualista, mais exigente e imediatista", diz o sociólogo Eugenio Tironi, professor da Universidade Católica do Chile.
Ele cita como exemplo a greve dos estudantes secundaristas, que pararam mais de 90%
das escolas do país entre maio e
junho do ano passado, para arrancar mais recursos nacionais
à educação. "Os estudantes não
querem a revolução, só querem
qualidade de ensino para entrar no mercado de trabalho.
São totalmente pragmáticos",
explica Tironi.
O sociólogo também fala que
essa nova sociedade é muito
despolitizada. Apenas 16% dos
jovens com entre 18 e 24 anos
de idade se inscreveram no registro eleitoral.
Tironi acha que os chilenos
estão querendo gerentes, não
políticos, no comando. O que
favoreceria o líder da oposição,
candidato derrotado por Bachelet no ano passado, o empresário Sebastián Piñeyra.
Apesar do progresso da transição, da baixa corrupção em
comparação com os vizinhos e
da criação de dois blocos políticos estáveis, o país não virou
um tigre econômico como se
previa dez anos atrás. O boom
atual se deve mais à alta do preço do cobre, principal produto
de exportação do país. Parte da
renda é guardada em um fundo
para quando seu preço cair.
"Ainda não somos Cingapura
ou Coréia do Sul; as empresas
tecnológicas do mundo ainda
não pensam no Chile na hora
de instalar novas indústrias de
ponta", diz Tironi.
O antecessor de Bachelet, Ricardo Lagos, também presente
ao seminário, disse que só a
melhoria da educação e dos investimentos em ciência e tecnologia permitirá que o país alcance um estágio de desenvolvimento mais elevado.
"Nos países desenvolvidos,
3% do PIB é investido em ciência e tecnologia, e dois terços
desse dinheiro são privados. Na
América Latina, não chegamos
a 1%, e dois terços são dinheiro
público. Só vamos progredir
quando empresariado e universidades caminharem juntos".
disse Lagos.
O jornalista Raul Juste Lores viajou a convite do
Grupo Santander
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