São Paulo, quarta-feira, 15 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Suicídio assistido na Suíça atrai estrangeiros

Filhos de maestro britânico serão interrogados no Reino Unido, mas até polícia diz que é só formalidade

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

"Após 54 anos felizes juntos, eles decidiram acabar com suas próprias vidas, em vez de continuar lutando contra sérios problemas de saúde." Foi assim que os filhos de Edward Downes, um dos mais renomados maestros britânicos, anunciaram o suicídio dos pais ontem.
O casal morreu após tomar barbitúricos fornecidos pela Dignitas, uma polêmica associação de assistência ao suicídio de Zurique que tem a lei a seu lado, mas divide a população. A Suíça é o único lugar do mundo onde esse ato pode ser cometido por estrangeiros.
A abertura atrai idosos e pacientes terminais de outros países para o que já foi chamado de "turismo da morte". A maioria é do Reino Unido, como o maestro Downes, 85, e sua mulher, a coreógrafa Joan, 74.
Com a morte do casal, chegam a 116 os britânicos ajudados pela Dignitas a terminar seus dias voluntariamente desde 1998, do total de mais de mil.
Joan tinha câncer no fígado e no pâncreas, e os médicos haviam lhe dado poucas semanas de vida. Downes, que por 50 anos foi maestro da Royal Opera House, uma das mais importantes do mundo, se rendeu à debilidade causada pela idade.
Os filhos, que acompanharam os pais em Zurique, contaram que eles morreram de mãos dadas, dez minutos após tomarem o barbitúrico.
Os dois filhos serão interrogados quando voltarem ao Reino Unido, mas a própria polícia britânica admite que é mera formalidade. A lei britânica pune com até 14 anos de prisão o suicídio assistido, mas até hoje ninguém foi processado por ajudar a cometer o ato na Suíça.
Criticados por todos os lados em seu país, os serviços da Dignitas também provocam enorme polêmica no Reino Unido, onde a morte voluntária tem cada vez mais interessados.
A controvérsia atingiu o auge em dezembro do ano passado, quando a TV britânica exibiu um documentário intitulado "O turista suicida", mostrando as últimas horas do professor universitário americano Craig Ewert, 59, portador de uma grave doença neurológica, que se matou há dois anos na Suíça.
Há cerca de um mês, o jornal londrino "The Guardian" acrescentou pólvora ao debate, com uma reportagem mostrando que muitos pacientes britânicos que puseram fim à própria vida com a ajuda da Dignitas sofriam de doenças que não necessariamente levariam à morte, como tetraplégicos.
Protegida por uma lei de 1941, a Dignitas tem como único critério para ajudar alguém a se suicidar que a pessoa "sofra de uma doença que inevitavelmente leve à morte, ou deficiência inaceitável, e queira finalizar a vida e o sofrimento".
Mas a firma tem que driblar a antipatia popular. No caso de pacientes sem residência na Suíça, o problema é logístico: onde consumar o suicídio.
Nos últimos anos, o grupo foi obrigado a mudar várias vezes o local do ato, num verdadeiro jogo de gato e rato que envolveu associações de moradores e políticos locais, incomodados com a proximidade da morte.
A batalha chegou até a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Supremo suíço, em ambos os casos com decisões favoráveis à Dignitas. Mas os protestos de vizinhos continuaram, o que levou seu fundador, o advogado Ludwig Minelli, a oferecer sua própria casa para o ato.
Na maioria dos casos, o suicídio de estrangeiros ocorre em apartamentos alugados pela Dignitas perto de sua sede, em Zurique, na presença de médicos, voluntários e familiares.
Pela lei suíça, eutanásia ativa é ilegal, mas o suicídio assistido não. A Dignitas, associação fundada em 1998 sem fins lucrativos, cobra cerca de 10 mil francos suíços (R$ 18.400) por suicídio, entre custos médicos e legais. Há outras quatro clínicas semelhantes na Suíça, mas nenhuma aceita estrangeiros.


Texto Anterior: França deve aprovar hoje lei para comércio abrir aos domingos
Próximo Texto: Tribunal Serra Leoa: Ex-presidente da Libéria inicia defesa por papel em guerra civil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.