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Suicídio assistido na Suíça atrai estrangeiros
Filhos de maestro britânico serão interrogados no Reino Unido, mas até polícia diz que é só formalidade
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
"Após 54 anos felizes juntos,
eles decidiram acabar com suas
próprias vidas, em vez de continuar lutando contra sérios problemas de saúde." Foi assim
que os filhos de Edward Downes, um dos mais renomados
maestros britânicos, anunciaram o suicídio dos pais ontem.
O casal morreu após tomar
barbitúricos fornecidos pela
Dignitas, uma polêmica associação de assistência ao suicídio de Zurique que tem a lei a
seu lado, mas divide a população. A Suíça é o único lugar do
mundo onde esse ato pode ser
cometido por estrangeiros.
A abertura atrai idosos e pacientes terminais de outros
países para o que já foi chamado de "turismo da morte". A
maioria é do Reino Unido, como o maestro Downes, 85, e sua
mulher, a coreógrafa Joan, 74.
Com a morte do casal, chegam a 116 os britânicos ajudados pela Dignitas a terminar
seus dias voluntariamente desde 1998, do total de mais de mil.
Joan tinha câncer no fígado e
no pâncreas, e os médicos haviam lhe dado poucas semanas
de vida. Downes, que por 50
anos foi maestro da Royal Opera House, uma das mais importantes do mundo, se rendeu à
debilidade causada pela idade.
Os filhos, que acompanharam os pais em Zurique, contaram que eles morreram de
mãos dadas, dez minutos após
tomarem o barbitúrico.
Os dois filhos serão interrogados quando voltarem ao Reino Unido, mas a própria polícia
britânica admite que é mera
formalidade. A lei britânica pune com até 14 anos de prisão o
suicídio assistido, mas até hoje
ninguém foi processado por
ajudar a cometer o ato na Suíça.
Criticados por todos os lados
em seu país, os serviços da Dignitas também provocam enorme polêmica no Reino Unido,
onde a morte voluntária tem
cada vez mais interessados.
A controvérsia atingiu o auge
em dezembro do ano passado,
quando a TV britânica exibiu
um documentário intitulado
"O turista suicida", mostrando
as últimas horas do professor
universitário americano Craig
Ewert, 59, portador de uma
grave doença neurológica, que
se matou há dois anos na Suíça.
Há cerca de um mês, o jornal
londrino "The Guardian"
acrescentou pólvora ao debate,
com uma reportagem mostrando que muitos pacientes britânicos que puseram fim à própria vida com a ajuda da Dignitas sofriam de doenças que não
necessariamente levariam à
morte, como tetraplégicos.
Protegida por uma lei de
1941, a Dignitas tem como único critério para ajudar alguém a
se suicidar que a pessoa "sofra
de uma doença que inevitavelmente leve à morte, ou deficiência inaceitável, e queira finalizar a vida e o sofrimento".
Mas a firma tem que driblar a
antipatia popular. No caso de
pacientes sem residência na
Suíça, o problema é logístico:
onde consumar o suicídio.
Nos últimos anos, o grupo foi
obrigado a mudar várias vezes o
local do ato, num verdadeiro jogo de gato e rato que envolveu
associações de moradores e políticos locais, incomodados
com a proximidade da morte.
A batalha chegou até a Corte
Europeia de Direitos Humanos
e o Supremo suíço, em ambos
os casos com decisões favoráveis à Dignitas. Mas os protestos de vizinhos continuaram, o
que levou seu fundador, o advogado Ludwig Minelli, a oferecer
sua própria casa para o ato.
Na maioria dos casos, o suicídio de estrangeiros ocorre em
apartamentos alugados pela
Dignitas perto de sua sede, em
Zurique, na presença de médicos, voluntários e familiares.
Pela lei suíça, eutanásia ativa
é ilegal, mas o suicídio assistido
não. A Dignitas, associação fundada em 1998 sem fins lucrativos, cobra cerca de 10 mil francos suíços (R$ 18.400) por suicídio, entre custos médicos e legais. Há outras quatro clínicas
semelhantes na Suíça, mas nenhuma aceita estrangeiros.
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