São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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Para analista dos EUA, petróleo distorce vida política venezuelana

DE NOVA YORK

A principal fonte de riquezas da Venezuela, o petróleo, é também a principal razão para uma cultura política distorcida, que já dura quase meio século e que o presidente Hugo Chávez não conseguiu mudar, diz Julia Sweig, especialista em América Latina do Council of Foreign Relations, um dos principais centros de estudos de assuntos internacionais dos Estados Unidos.
Para ela, a raiz da atual crise e a polarização no país se devem a essa distorção e à incapacidade de Chávez de fazer um "governo de transição". "O que esse país precisa para sair desses 40 anos de política distorcida e dependência de petróleo?", é a pergunta que, na opinião de Sweig, o presidente venezuelano deveria ter tentado responder.
"A classe política da Venezuela se acostumou, desde a descoberta e a nacionalização do petróleo, a certas regras de jogo: a divisão dos benefícios do petróleo. Não só entre os políticos. Até a economia do país começar a entrar em crise no final dos anos 70 e início dos 80, mesmo os pobres do país, em comparação com o resto da América Latina, viviam relativamente bem", disse ela em entrevista à Folha.
"Mas, à medida que os benefícios do produto decaíram, a cultura política criada em torno da dependência do petróleo não soube como acomodar, como lidar com os conflitos políticos e questões que todo país latino-americano enfrenta, de pobreza e desigualdade."
É, portanto, num clima de "luta de classes" que os venezuelanos vão hoje às urnas para decidir se mantêm ou não um presidente que, no entender de Sweig, repete em boa parte as práticas políticas que pretendeu superar ao chegar ao poder no país.

"Paternalismo petrolífero"
"Não vejo Chávez com uma estratégia de transição", disse a analista americana. Para ela, Chávez julgou que pudesse sobreviver politicamente apenas expandindo sua base entre os pobres, deixando de lado questões como a dependência econômica do petróleo e a necessidade de composição política.
A transição teria de ser, segundo ela, "para uma economia mais diversificada e uma democracia mais diversificada". "Para além do sistema anterior de dois partidos, e para além de uma economia totalmente dependente do petróleo. Essa é a transição que aquele país precisa fazer."
Sweig explica o que vê como permanência política e econômica, já que a transição não se deu. "O que se vê agora na Venezuela é novamente um caso de "paternalismo petrolífero", só que voltado para os pobres. É difícil comprovar estatisticamente, mas os pobres na Venezuela parecem ter a sensação de que estão agora recebendo comida, educação e saúde de uma maneira que não acontecia antes. É sustentável? Talvez a perspectiva de Chávez seja que sim, com o barril a mais de US$ 40. Mas dá oportunidade aos pobres de investir e ter seus próprios negócios? Não."
Para a especialista, o governo venezuelano mantém os pobres como permanentemente dependentes do Estado, o que, a seu ver, "não é bom para a política nem para a democracia".
Ela também critica a oposição, por ter contribuído para a polarização do país, com a tentativa de golpe em 2002, a greve geral em seguida e a hostilização do presidente na mídia -controlada majoritariamente por antichavistas.
"Parece bastante, na Venezuela, com uma luta de classes. Outros dirão que parece o Chile no início dos anos 70. Eu estive na Nicarágua nos anos 80, são dois países completamente diferentes, mas o tipo de confrontação entre classes que vi por lá me pareceu estar acontecendo de novo, com a diferença de que há um butim econômico muito maior em jogo, por causa do petróleo."
(RAFAEL CARIELLO)

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