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ARTIGO
Idéia de Sharon é não fazer nada depois da retirada
YOSSI BEILIN
O debate político sobre a pergunta "a manhã seguinte" já começou. O mercado político enche-se de propostas e parte delas
recebe tratamento sério do público e da mídia. Mas não todas. Não
porque não sejam desejadas, mas
porque parte não é viável.
O primeiro-ministro inventou
para ele mesmo um estágio novo
no Mapa do Caminho [plano de
paz]. Decidiu depois de, em sua
opinião, ter ficado tempo suficiente no primeiro estágio, retroceder para o "pré-Mapa".
Agora ele se encontra fora do
mapa, e ali ele aguarda, com paciência de ferro, o momento em
que a Autoridade Nacional Palestina combaterá a estrutura do terrorismo, enquanto ele lhe nega o
uso de meios sem os quais ela não
será capaz de combatê-lo.
Em outras palavras: a proposta
de Sharon é não fazer nada depois
da retirada, e construir mais colônias entre Maale Adumim e Jerusalém para evitar, no futuro, a
possibilidade da criação de um
Estado palestino na Cisjordânia.
Se Sharon conseguir obter
maioria no Knesset para essa posição, ela será viável na primeira
fase, mas em breve a pressão sobre Israel obrigará Sharon a escolher outra opção.
A opção de Sharon é perigosa
para Israel, não somente porque a
retirada de Gaza, que será vista
como uma grande vitória do Hamas e do terrorismo, provocará,
cedo ou tarde, uma onda de terror
na Cisjordânia se não houver um
processo político imediato. Mas
também porque, se Sharon acreditar mesmo na solução de dois
Estados, esta é a opção que aproxima a solução binacional, em
que os judeus se tornarão minoria
em sua terra.
Quem não desistiu da idéia do
Estado judeu tal como visualizado
por Teodor Herzl [pai do sionismo] precisa ter tanto cuidado
com a visão de status quo quanto
com o fogo. A opção de retirada
unilateral de entre 80% e 90% da
Cisjordânia depois da retirada de
Gaza é algo factível.
Os colonos que não conseguem
evitar a retirada de Gaza não conseguirão evitar a saída de Kiriyat
Arba, e a Israel soberana poderá
encontrar-se fora de todos os territórios ocupados se houver
maioria no Parlamento.
O preço será extremamente alto: em primeiro lugar, o mundo
não baterá palmas para nós e não
dará legitimidade a nenhuma
fronteira unilateral que não retorne exatamente à linha verde [anterior à guerra de 1967]. Aos palestinos, será um sinal para continuar com o terrorismo.
A saída israelense unilateral de
90% dos territórios não evitará o
terrorismo, evitará o reconhecimento de Jerusalém como capital
de Israel e o reconhecimento de
Israel como o lar nacional do povo judeu, e tornará quase impossível a chance de um acordo de
paz mais tarde.
Já a proposta de que Israel entregue comunidades árabes no
norte do país para o Estado palestino não é moral, não é factível e
contraria nossos interesses nacionais.
Sobre a moral não há necessidade de falar muito: uma mensagem
arbitrária aos seus cidadãos [árabes] de que a partir de agora eles
não são mais cidadãos e não têm
direitos é um ato devasso, contra
a lei internacional e contra a crença de que Israel tem compromissos com essa população.
Os exemplos históricos de atos
desse tipo não são pertinentes ao
começo do século 21.
Não haverá acordo de paz com
os palestinos sem troca de territórios, mas os territórios que Israel
entregar aos palestinos precisam
ser desabitados.
A partir do momento e que as
trocas não tenham bases geográficas, mas sim demográficas, nós
nos encontraremos expostos à
exigência de troca demográfica
total, também na Galiléia, a exemplo das fronteiras da Partilha da
Palestina [1947]. Os nacionalistas
mais extremados poderão nos levar a uma divisão nacional.
A proposta da negociação imediata para um acordo final (através de uma determinação americana de que o segundo estágio do
Mapa de Caminho seja realizado,
de fato, através da retirada de Gaza, e de que tudo o que não foi feito na primeira fase do Mapa seja
feito paralelamente à negociação
sobre o esquema final, com ajuda
da presença americana monitorando a realização) permite verificar a disposição dos palestinos de
chegar a um acordo com base no
plano de Clinton, da visão de
Bush e da Iniciativa de Genebra
[plano de paz elaborado por personalidades palestinas e israelenses, lançado em 2003].
Um esquema que seja assinado
com toda a liderança palestina é
preferível a qualquer outra solução, pelo fato de assegurar a Israel
o reconhecimento internacional
exigido dela e a remoção da questão palestina da ordem do dia nacional.
Só se ficar evidente, dentro de
meio ano, que um esquema assim
não é possível, será correto chegar-se a um acordo provisório
adicional, ou a uma medida unilateral ousada.
O maior erro pode ser a renúncia israelense à opção de um acordo, frente a uma crença ingênua e
quase messiânica de que será possível continuar o acordo final daqui a dez ou 20 anos, quando todas as condições estarão piores
-em relação às condições demográficas, as cartas não estarão nas
nossas mãos, e o governo palestino não estará nas mãos daqueles
que acreditam em negociação.
Yossi Beilin é líder do partido de esquerda israelense Meretz-Yachad e um
dos participantes da Iniciativa de Genebra, plano de paz elaborado por personalidades israelenses e palestinas
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