São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2005

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ARTIGO

Idéia de Sharon é não fazer nada depois da retirada

YOSSI BEILIN

O debate político sobre a pergunta "a manhã seguinte" já começou. O mercado político enche-se de propostas e parte delas recebe tratamento sério do público e da mídia. Mas não todas. Não porque não sejam desejadas, mas porque parte não é viável.
O primeiro-ministro inventou para ele mesmo um estágio novo no Mapa do Caminho [plano de paz]. Decidiu depois de, em sua opinião, ter ficado tempo suficiente no primeiro estágio, retroceder para o "pré-Mapa".
Agora ele se encontra fora do mapa, e ali ele aguarda, com paciência de ferro, o momento em que a Autoridade Nacional Palestina combaterá a estrutura do terrorismo, enquanto ele lhe nega o uso de meios sem os quais ela não será capaz de combatê-lo.
Em outras palavras: a proposta de Sharon é não fazer nada depois da retirada, e construir mais colônias entre Maale Adumim e Jerusalém para evitar, no futuro, a possibilidade da criação de um Estado palestino na Cisjordânia.
Se Sharon conseguir obter maioria no Knesset para essa posição, ela será viável na primeira fase, mas em breve a pressão sobre Israel obrigará Sharon a escolher outra opção.
A opção de Sharon é perigosa para Israel, não somente porque a retirada de Gaza, que será vista como uma grande vitória do Hamas e do terrorismo, provocará, cedo ou tarde, uma onda de terror na Cisjordânia se não houver um processo político imediato. Mas também porque, se Sharon acreditar mesmo na solução de dois Estados, esta é a opção que aproxima a solução binacional, em que os judeus se tornarão minoria em sua terra.
Quem não desistiu da idéia do Estado judeu tal como visualizado por Teodor Herzl [pai do sionismo] precisa ter tanto cuidado com a visão de status quo quanto com o fogo. A opção de retirada unilateral de entre 80% e 90% da Cisjordânia depois da retirada de Gaza é algo factível.
Os colonos que não conseguem evitar a retirada de Gaza não conseguirão evitar a saída de Kiriyat Arba, e a Israel soberana poderá encontrar-se fora de todos os territórios ocupados se houver maioria no Parlamento.
O preço será extremamente alto: em primeiro lugar, o mundo não baterá palmas para nós e não dará legitimidade a nenhuma fronteira unilateral que não retorne exatamente à linha verde [anterior à guerra de 1967]. Aos palestinos, será um sinal para continuar com o terrorismo.
A saída israelense unilateral de 90% dos territórios não evitará o terrorismo, evitará o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e o reconhecimento de Israel como o lar nacional do povo judeu, e tornará quase impossível a chance de um acordo de paz mais tarde.
Já a proposta de que Israel entregue comunidades árabes no norte do país para o Estado palestino não é moral, não é factível e contraria nossos interesses nacionais.
Sobre a moral não há necessidade de falar muito: uma mensagem arbitrária aos seus cidadãos [árabes] de que a partir de agora eles não são mais cidadãos e não têm direitos é um ato devasso, contra a lei internacional e contra a crença de que Israel tem compromissos com essa população.
Os exemplos históricos de atos desse tipo não são pertinentes ao começo do século 21.
Não haverá acordo de paz com os palestinos sem troca de territórios, mas os territórios que Israel entregar aos palestinos precisam ser desabitados.
A partir do momento e que as trocas não tenham bases geográficas, mas sim demográficas, nós nos encontraremos expostos à exigência de troca demográfica total, também na Galiléia, a exemplo das fronteiras da Partilha da Palestina [1947]. Os nacionalistas mais extremados poderão nos levar a uma divisão nacional.
A proposta da negociação imediata para um acordo final (através de uma determinação americana de que o segundo estágio do Mapa de Caminho seja realizado, de fato, através da retirada de Gaza, e de que tudo o que não foi feito na primeira fase do Mapa seja feito paralelamente à negociação sobre o esquema final, com ajuda da presença americana monitorando a realização) permite verificar a disposição dos palestinos de chegar a um acordo com base no plano de Clinton, da visão de Bush e da Iniciativa de Genebra [plano de paz elaborado por personalidades palestinas e israelenses, lançado em 2003].
Um esquema que seja assinado com toda a liderança palestina é preferível a qualquer outra solução, pelo fato de assegurar a Israel o reconhecimento internacional exigido dela e a remoção da questão palestina da ordem do dia nacional.
Só se ficar evidente, dentro de meio ano, que um esquema assim não é possível, será correto chegar-se a um acordo provisório adicional, ou a uma medida unilateral ousada.
O maior erro pode ser a renúncia israelense à opção de um acordo, frente a uma crença ingênua e quase messiânica de que será possível continuar o acordo final daqui a dez ou 20 anos, quando todas as condições estarão piores -em relação às condições demográficas, as cartas não estarão nas nossas mãos, e o governo palestino não estará nas mãos daqueles que acreditam em negociação.


Yossi Beilin é líder do partido de esquerda israelense Meretz-Yachad e um dos participantes da Iniciativa de Genebra, plano de paz elaborado por personalidades israelenses e palestinas

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