São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2006

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Análise

Política interna selou rumos do conflito

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

Mais de um mês e centenas de mortos depois, ainda não há informações para afirmar que o Hizbollah calculou mal a reação israelense ou que o Irã incentivou o seqüestro dos dois soldados pelo aliado libanês para aliviar a pressão sobre seu programa nuclear.
O que parece claro é que a dimensão atingida pela resposta de Israel deveu-se menos à situação na fronteira libanesa -onde o Hizbollah vinha concentrando armamentos desde a retirada israelense, em 2000- do que a uma conjunção de fatores relacionados às batalhas políticas e ideológicas dentro dos EUA e de Israel.
A divisa nunca esteve pacificada nos últimos seis anos. O Hizbollah seqüestrou outros soldados, exigindo a libertação de libaneses presos em Israel sob a acusação de terrorismo e a desocupação das Fazendas de Shebaa. Também lançou foguetes contra o território israelense. Israel invadiu, diversas vezes, o espaço aéreo libanês.
Nas escaramuças anteriores, a reação do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon foi limitada. Sharon não se dispôs a resolver os temas que dificultavam a pacificação da fronteira, mas evitou repetir uma invasão do Líbano como a que comandou em 1982.
Ehud Olmert e o ministro da Defesa, Amir Peretz, não tinham experiência militar quando assumiram o governo. Precisavam provar a uma população insegura com o caldeirão palestino e os planos nucleares iranianos que poderiam garantir a capacidade de dissuasão de Israel. Os detalhes diferem, mas, nos artigos da imprensa israelense, fica evidente que, para os dois, pesaram a sobrevivência política e a voz da cúpula militar -que já tinha planos para uma operação como a que foi desencadeada após o seqüestro.
É aí que entra o cenário político americano. Desde 2005, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, vinha tentando temperar a Doutrina Bush com um dose de multilateralismo. A iminência de guerra civil no Iraque, a corrosão da credibilidade americana e o esgotamento militar -há dificuldades para substituir reservistas em Bagdá- moveram-na a reaproximar Washington da "velha Europa" e da ONU.
Os conservadores à antiga, mais prudentes e realistas, representados no Partido Republicano pela velha guarda que trabalhou para Bush pai, voltaram a ser ouvidos. O ponto máximo dessa reorientação foi a concordância de Washington em participar diretamente das negociações nucleares com o Irã. Em junho, os neoconservadores já denunciavam o Departamento de Estado em nome da Doutrina Bush.
Essa corrente, com alguns expoentes egressos da esquerda, tem uma visão torta da herança do Iluminismo. Julga que o Ocidente tem o monopólio da razão e que esta transforma a força em arma moral. Os jihadistas liberais, como os denomina o pesquisador de Harvard Tony Smith, desprezam os matizes da política. Bush, com certezas simplórias de um cristão "renascido", pende para o lado deles.
Os neoconservadores esperavam oportunidade para isolar os realistas outra vez. Quando o Hizbollah seqüestrou os soldados israelenses, William Kristol escreveu na "Weekly Standard" que Bush deveria declarar-se um "cidadão de Jerusalém" (como fez John Kennedy em Berlim) e atacar o Irã. Para eles, o conflito no Líbano é uma guerra entre os EUA e os "fascistas" de Teerã. Foi essa a posição abraçada por Bush.
Não é raro ouvir críticas à Casa Branca pelo apoio incondicional a Israel, mas analistas israelenses que fizeram restrições à ofensiva diziam que o gabinete atuou como instrumento dos Estados Unidos. O balanço interno de forças parece ter levado os dois governos a um abraço temerário. Se a diplomacia não tiver uma chance, o cenário que se divisa está mais perto do bumerangue iraquiano do que do novo Oriente Médio que nasceria das dores desse parto.


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