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Análise
Política interna selou rumos do conflito
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
Mais de um mês e centenas de mortos depois, ainda
não há informações para
afirmar que o Hizbollah calculou mal a reação israelense
ou que o Irã incentivou o seqüestro dos dois soldados
pelo aliado libanês para aliviar a pressão sobre seu programa nuclear.
O que parece claro é que a
dimensão atingida pela resposta de Israel deveu-se menos à situação na fronteira libanesa -onde o Hizbollah
vinha concentrando armamentos desde a retirada israelense, em 2000- do que a
uma conjunção de fatores relacionados às batalhas políticas e ideológicas dentro dos
EUA e de Israel.
A divisa nunca esteve pacificada nos últimos seis anos.
O Hizbollah seqüestrou outros soldados, exigindo a libertação de libaneses presos
em Israel sob a acusação de
terrorismo e a desocupação
das Fazendas de Shebaa.
Também lançou foguetes
contra o território israelense. Israel invadiu, diversas
vezes, o espaço aéreo libanês.
Nas escaramuças anteriores, a reação do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon foi limitada. Sharon não se dispôs
a resolver os temas que dificultavam a pacificação da
fronteira, mas evitou repetir
uma invasão do Líbano como
a que comandou em 1982.
Ehud Olmert e o ministro
da Defesa, Amir Peretz, não
tinham experiência militar
quando assumiram o governo. Precisavam provar a uma
população insegura com o
caldeirão palestino e os planos nucleares iranianos que
poderiam garantir a capacidade de dissuasão de Israel.
Os detalhes diferem, mas,
nos artigos da imprensa israelense, fica evidente que,
para os dois, pesaram a sobrevivência política e a voz
da cúpula militar -que já tinha planos para uma operação como a que foi desencadeada após o seqüestro.
É aí que entra o cenário
político americano. Desde
2005, a secretária de Estado,
Condoleezza Rice, vinha tentando temperar a Doutrina
Bush com um dose de multilateralismo. A iminência de
guerra civil no Iraque, a corrosão da credibilidade americana e o esgotamento militar -há dificuldades para
substituir reservistas em
Bagdá- moveram-na a reaproximar Washington da
"velha Europa" e da ONU.
Os conservadores à antiga,
mais prudentes e realistas,
representados no Partido
Republicano pela velha guarda que trabalhou para Bush
pai, voltaram a ser ouvidos. O
ponto máximo dessa reorientação foi a concordância
de Washington em participar diretamente das negociações nucleares com o Irã.
Em junho, os neoconservadores já denunciavam o Departamento de Estado em
nome da Doutrina Bush.
Essa corrente, com alguns
expoentes egressos da esquerda, tem uma visão torta
da herança do Iluminismo.
Julga que o Ocidente tem o
monopólio da razão e que esta transforma a força em arma moral. Os jihadistas liberais, como os denomina o
pesquisador de Harvard
Tony Smith, desprezam os
matizes da política. Bush,
com certezas simplórias de
um cristão "renascido", pende para o lado deles.
Os neoconservadores esperavam oportunidade para
isolar os realistas outra vez.
Quando o Hizbollah seqüestrou os soldados israelenses,
William Kristol escreveu na
"Weekly Standard" que Bush
deveria declarar-se um "cidadão de Jerusalém" (como
fez John Kennedy em Berlim) e atacar o Irã. Para eles,
o conflito no Líbano é uma
guerra entre os EUA e os
"fascistas" de Teerã. Foi essa
a posição abraçada por Bush.
Não é raro ouvir críticas à
Casa Branca pelo apoio incondicional a Israel, mas
analistas israelenses que fizeram restrições à ofensiva
diziam que o gabinete atuou
como instrumento dos Estados Unidos. O balanço interno de forças parece ter levado os dois governos a um
abraço temerário. Se a diplomacia não tiver uma chance,
o cenário que se divisa está
mais perto do bumerangue
iraquiano do que do novo
Oriente Médio que nasceria
das dores desse parto.
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