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Lugo assume hoje sob pressão da direita e da própria base
Ex-bispo que rompe domínio colorado de 61 anos hesita entre denunciar ameaças da oposição e defender diálogo
Camponeses convocam para domingo primeiro ato sob novo governo, para pedir reforma agrária que pode atingir brasiguaios
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO
O ex-bispo católico Fernando Lugo, 57, assume hoje a Presidência do Paraguai com o carimbo de esquerda e encerrando 61 anos de poder do conservador Partido Colorado, alternando ora a denúncia de uma
"conspiração" da direita contra
ele, ora um discurso conciliador. Lugo depende de um Congresso em que os mesmos colorados são maioria tanto na Câmara quanto no Senado.
Em conversa com repórteres
do "ABC Color", ele voltou a falar ontem em ameaça de desabastecimento de gasolina e remédios, o que "poria fogo no
país". Mas o jornal "Última Hora" circulou com Lugo falando
em "mudança", "racionalidade" e defendendo diálogo com o
Congresso e com o campo.
O aceno foi porque o MST local se insurge contra produtores brasileiros -os brasiguaios- e promete fazer o primeiro grande protesto da era
Lugo já no próximo domingo.
Eleito com 40,5% dos votos
para um mandato de cinco
anos, Lugo é uma mistura de
esperança e de incógnita para
analistas e até para transeuntes
nas ruas. A dúvida é se terá condições políticas e econômicas
para cumprir as suas promessas: combate à corrupção e à
miséria e desenvolvimento.
Ontem à noite, o ex-bispo
prestou juramento simbólico
num ritual indígena, ante milhares de pessoas reunidas em
um estádio de Assunção. Eram
jovens, agricultores e pessoas
mais pobres -sua base política.
Ele anunciou que renunciará
ao salário de presidente, equivalente a cerca de R$ 6.500.
Articulação internacional
Uma das principais apostas
dele será na articulação internacional, para se fortalecer de
fora para dentro. Delegações de
97 países e governantes de 11,
inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comparecerão
à posse, às 8h30. Depois, haverá
cumprimentos dos mandatários estrangeiros. Lula será o
primeiro da fila.
Apesar da previsão de que
Lugo integrará a linha de frente
da esquerda latino-americana,
com Hugo Chávez (Venezuela),
Evo Morales (Bolívia) e Rafael
Correa (Equador), ele tem sido
cauteloso e nega qualquer alinhamento político.
Sua primeira polêmica internacional foi quanto ao novo
chanceler, Alejandro Hamed,
que foi o primeiro embaixador
do Paraguai no Líbano. Os jornais locais publicaram que ele
seria impedido de entrar nos
EUA, o que a embaixada do país
em Assunção desmentiu.
Depois de uma campanha de
esquerda, Lugo montou um ministério heterogêneo. A esquerda ficou com cadeiras estratégicas, mas poucas, como a chefia
do Gabinete Civil e os ministérios do Interior e da Saúde e
Bem Estar Social.
Já o Partido Liberal, tradicional como o Colorado e que tem
as segundas bancadas na Câmara e no Senado, tem Agricultura e Pecuária, Justiça e Trabalho e Obras Públicas e Comunicações, além da direção-geral
paraguaia da Itaipu Binacional
(Carlos Mateo Balmelli).
E os colorados não ficaram
de fora do governo. Terão o ministro da Educação e Cultura.
A terceira força é a Unace
(União Nacional dos Cidadãos
Éticos), que vem de antiga dissidência colorada e é liderada
pelo general da reserva e ex-candidato à Presidência Lino
Oviedo. Única força que vota
em bloco, é o "fiel da balança".
O Senado tem 45 membros
-15 colorados, 14 liberais e 9 da
Unace, além de outros grupos
menores. E são 80 deputados
-30 colorados, 27 liberais e 15
da Unace, além de representantes de pequenos partidos.
Povo pobre
O Paraguai é uma exceção à
regra de que, se a economia vai
bem, o governo se reelege. Não
que a economia esteja brilhando, mas, no governo de Nicanor
Duarte Frutos o crescimento
saiu de 1% para 6,8% em 2007,
com inflação anual de 6%, graças a uma política ortodoxa.
Não por coincidência, o primeiro ministro da Fazenda de
Nicanor será agora ministro de
Lugo, o prestigiado Dionísio
Borda. Trata-se de um indicativo de que o governo, no início,
prestigiará o ajuste fiscal.
A derrota de Nicanor -cuja
candidata, Blanca Avelar, ficou
em terceiro lugar- é justificada
pela falta de carisma da candidata, mas também porque os
índices da economia não tiveram reflexos diretos na população. Dos 6,1 milhões de habitantes do Paraguai, com PIB
per capita de US$ 1.959, cerca
de 40% são pobres e 20% estão
abaixo da linha de pobreza.
De acordo com a ONG Transparência Internacional, o Paraguai está entre os cinco países
mais corruptos do mundo. Este
é considerado internamente o
maior desafio de Lugo.
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