|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Artigo
Entre política social e mercado
Nobel da Paz amplia o sucesso dos microcréditos, que dependem da qualidade das redes de conhecimento local; expansão é difícil, e demanda é muito maior que oferta
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
O sucesso do microcrédito,
idéia alardeada em 2005 pela
ONU e consagrada com o Prêmio Nobel da Paz ao pioneiro
Muhammad Yunus, de Bangladesh, criador do Grameen Bank
("banco da aldeia"), depende da
qualidade das redes de conhecimento local. São operações
em que o capital social vale tanto ou até mais que o próprio capital financeiro. Por depender
tanto do conhecimento da realidade da "aldeia", sua expansão é difícil e a demanda infinitamente superior à oferta.
O microcrédito está na fronteira entre mercado e política
social, funciona em geral sob o
controle de uma organização
não-governamental (ONG) local e não sobreviveria sem políticas públicas associadas. No
Brasil, diferentes versões do
que se poderia considerar microcrédito têm sido oferecidas
por bancos estatais como o
BNDES, o Banco do Nordeste,
o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e iniciativas
como o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf).
As estimativas da Grameen
Foundation sugerem que há
demanda para operações de
mais de US$ 300 bilhões, frente
a uma oferta da ordem de apenas US$ 4 bilhões.
O conhecimento local, a confiança que se constrói por meio
da solidariedade e por laços de
vizinhança e a necessária capilaridade extrema da rede de relacionamentos desse sistema
são parte da explicação para a
aversão dos bancos privados a
esse tipo de operação, de custos
elevados na organização e no
monitoramento das milhões de
microcontas. Mas a proliferação de redes digitais colaborativas tem contribuído para uma
significativa redução de custos,
viabilizando verdadeiros "bancos locais".
Finanças de proximidade
O Nobel de Yunus certamente ampliará o interesse e até o
prestígio do microcrédito e de
projetos similares. Mais que a
dimensão "micro", importa
nessas operações o seu caráter
solidário, o capital social que se
associa a cada operação individual. Ricardo Abramovay, professor da USP, tem alertado para a ênfase excessiva em microcrédito quando o que mais importa é a natureza das redes e
organizações de "finanças de
proximidade", capazes de converter redes de relações sociais
entre indivíduos em redução de
custos de transações bancárias.
Na sua visão, é o conhecimento entre as pessoas, produto de relações de vizinhança,
que reduz a assimetria de informação típica de qualquer transação convencional. Ele também alerta para o papel das finanças de proximidade não
apenas como operações de repasse de fundos públicos. Sua
principal virtude consistiria em
estimular a poupança dos integrantes das redes sociais em
que é implementada.
No Brasil, a trajetória do microcrédito tem sido instável,
com altos e baixos. O BNDES
chegou a interromper as operações quando se constatou irregularidades em ONGs. Há um
risco, típico do "onguismo", de
surgirem intermediários que
atuam como exploradores da
miséria alheia.
Segundo Elvio Lima Gaspar,
diretor do BNDES responsável
pela área social, houve um amadurecimento no sistema na
medida em que outra precisão
conceitual foi introduzida, privilegiando o "microcrédito produtivo orientado" e articulando
o direcionamento de recursos a
políticas de integração regional
e sub-regional.
A inadimplência no Brasil,
nesse tipo de operações, tem sido da ordem de 3% e, em alguns
casos, fica abaixo de 0,8%. Nos
próximos cinco anos, entre
operações em curso e já aprovadas, cerca de R$ 59 milhões
serão direcionados ao microcrédito, com geração de 1,4 milhão de empregos.
Há estudos em curso, mobilizando equipes do BNDES e do
Ministério do Desenvolvimento Social, para articular o cadastro do Bolsa-Família com a política nacional de microcrédito
produtivo orientado. Segundo
o BNDES, está em fase final de
preparação uma nova política
em que o microcrédito será
uma ponte entre o estágio mais
assistencialista e emergencial
do Bolsa-Família e a etapa mais
avançada em que despontam as
micro e pequenas empresas.
GILSON SCHWARTZ, economista e sociólogo, é
professor da ECA-USP e diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br).
Texto Anterior: Fome dos anos 90 criou mercado negro e enfraqueceu poder de Kim Próximo Texto: Ataques sectários matam ao menos 21; 7 são decapitados Índice
|