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Brasil evita se comprometer a vender urânio para a Índia
País saiu do isolamento atômico no mês passado e quer cooperação na área civil
Ministros brasileiros têm opiniões diferentes sobre conveniência de parceria; França e EUA saem na frente em mercado bilionário
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLI
Temeroso de entrar num
campo minado da diplomacia
mundial, o Brasil está se esquivando do desejo da Índia em
firmar parcerias na área atômica. A assinatura do histórico
acordo nuclear entre a Índia e
os EUA, na semana passada, colocou fim a 34 anos de embargo
internacional sobre Nova Déli e
abriu para o Ocidente um mercado estimado em mais de US$
100 bilhões.
O governo indiano tem deixado claro que vê o Brasil, que
tem a sexta maior reserva de
urânio do mundo, como parceiro natural no comércio de tecnologia e combustível nuclear.
"É claro que queremos firmar
acordos nessa área com o governo brasileiro", disse ontem
o ministro das Relações Exteriores da Índia, Anand Sharma,
no segundo dia da cúpula do
Ibas (grupo formado por Índia,
Brasil e África do Sul).
Mas o interesse da Índia em
oferecer ao Brasil uma fatia
desse bolo bilionário tem provocado divisões no governo
brasileiro. Em conversa com a
Folha, uma fonte do primeiro
escalão disse considerar "uma
loucura" o fato de alguns ministros defenderem o fornecimento de urânio brasileiro à Índia,
aproveitando o mercado aberto
com o acordo entre Washington e Nova Déli.
Para essa fonte, as possíveis
vantagens econômicas não
compensam o risco de desgaste
político que traria o comércio
de material nuclear com a Índia, que mantém uma tensa relação com o vizinho Paquistão,
outra potência nuclear.
Firmado durante a visita do
presidente George W. Bush a
Nova Déli, em 2006, o acordo
recebeu no mês passado o aval
da Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA) e do
Grupo de Fornecedores Nucleares (GFN), que mantinha
embargo internacional à Índia.
Foi o sinal verde para a retomada do comércio nuclear com
a Índia, a começar pelos 45
membros do GFN, do qual o
Brasil faz parte. Criado pelos
EUA em 1974, após o primeiro
teste nuclear realizado pela Índia, o GFN visava punir o país
por manter programa atômico
sem submeter-se aos acordos
de não-proliferação.
Salvaguardas
O chanceler Celso Amorim é
um dos que não acreditam que
haja empecilhos em uma parceria nuclear com a Índia. Para
ele, as salvaguardas da AIEA
aceitas pela Índia, pelas quais o
país abrirá 14 de seus 22 reatores a inspeção, constituem garantia suficiente.
"Contanto que sejam acordos de cooperação para fins pacíficos, como manda a Constituição brasileira, não vejo problemas", disse Amorim. Segundo ele, o assunto não foi abordado no encontro que teve ontem com o ministro indiano das
Relações Exteriores.
Outros países já estão de olho
no bilionário mercado nuclear
indiano. A França saiu na frente e fechou um acordo de cooperação para o fornecimento
de combustível nuclear e tecnologia. O país é líder mundial,
com 75% de sua eletricidade
gerada por centrais nucleares.
Além de romper o isolamento internacional, a Índia espera
acima de tudo resolver seus
graves problemas de geração de
energia. O fornecimento elétrico no país é extremamente irregular, sendo estimado em
15% abaixo do necessário nos
horários de pico. Com blecautes freqüentes, geradores e velas estão sempre a postos.
Na primeira fase, a meta é
importar oito reatores nos próximos cinco anos, triplicando a
proporção de energia nuclear
no país, que hoje corresponde a
8% do total. Além disso, com o
fim do embargo, o país espera
alimentar os reatores já existentes: hoje, metade está parada por falta de urânio.
O jornalista Marcelo Ninio viajou a convite da India Brand Equity Foundation
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