São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2011

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Poder dos EUA diminui no Oriente Médio, diz sociólogo

Para senegalês Gilbert Achcar, Primavera Árabe pode chegar aos palestinos; Reino Unido, afirma, verá onda histórica de protestos

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Há desestabilização por toda parte no Oriente Médio e o poder americano está diminuindo. A avaliação é do filósofo e sociólogo senegalês Gilbert Achcar, 60.
Professor da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, ele chama a atenção para o avanço do movimento sindical no Egito e para a aproximação entre os EUA e muçulmanos.
Achcar, que estará no Brasil para o 35º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) no final deste mês, acha que a Primavera Árabe pode chegar aos palestinos.
Aqui, ele analisa por que o movimento social ganhou ímpeto no mundo. E prevê para o mês que vem a maior onda de protestos no Reino Unido em muitas décadas.

 

Folha - Qual sua análise da Primavera Árabe?
Gilbert Achcar -
O que têm em comum: são insurreições contra despotismo e a corrupção. As diferenças são muitas. No Iêmen e na Líbia, há elementos fortes de tribalismo. Na Tunísia ou no Egito, há importante papel da classe trabalhadora. Por isso, nesses dois países, o conflito derrubou o autocrata, mas o regime permaneceu.

Qual o papel dos sindicatos e da esquerda?
Entre 2006 e 2009, houve um movimento forte de greves, vindo de baixo. Há agora uma federação independente de sindicatos que já tem 1 milhão de membros. Lembra o ABC no Brasil, que levou à criação da CUT. A dimensão política é menos proeminente até agora. Podemos enxergar uma CUT, mas não um PT.

Os muçulmanos terão um papel importante na eleição no mês que vem [no Egito]?
Sim. A Irmandade Muçulmana tem sido aliada das Forças Armadas. Nos últimos dias, houve uma nova onda de greves. A aliança dos militares com a Irmandade se opõe a essa onda de greves.

O poder dos EUA na região está diminuindo?
Sim. Seus aliados se enfraqueceram. Além do Egito, as monarquias do Golfo, especialmente a saudita, se sentem muito inseguras. Há desestabilização por toda a parte. A situação está ficando mais precária para os EUA. Fracassaram no Iraque, no Afeganistão. Como resultado de tudo isso, no Oriente Médio, os EUA são mais fracos hoje. Tentam compensar esse enfraquecimento buscando construir novas alianças com a Irmandade Muçulmana.

Como fica a situação de Israel?
O governo de Netanyahu acredita que, por causa do enfraquecimento dos EUA, eles são preciosos para os americanos. Por isso se comportam de maneira provocativa. A administração Obama mostra um conluio com Israel e não faz pressão real. Isso fica muito claro ao vermos Mahmoud Abbas, que era um amigo extremamente dócil de Washington, ir à ONU contra Washington.

O que vai acontecer com o veto norte-americano à criação da Palestina?
Os palestinos vão ficar ainda mais desiludidos com Washington. Isso pode levar a uma nova insurreição popular. A única maneira de conseguir algo é fazer como os egípcios, os tunisianos, os sírios: fazer movimentos de protestos. Que pode ser a versão palestina do que houve em outros países da região.

Liderada pelo Hamas?
Não. Liderada pelos jovens, não por nenhuma força específica. O Hamas tem o controle de Gaza, evitando qualquer manifestação lá.

E qual o papel do Irã?
Irã, no início, estava feliz com o que estava acontecendo no Egito e na Tunísia. Mas esse quadro mudou. A Irmandade Muçulmana começou uma nova relação com Washington. Há também o início do movimento na Síria. No conjunto, o Irã está muito preocupado.

E quem vai ganhar com isso?
Depende de onde. Pela primeira vez, o povo está falando, organizando protestos, derrubando regimes. Então o ganhador é o povo.

A revolução iraniana de 1979 não é um precedente?
A revolução de 1979 foi liderada pelo clero e por figuras carismáticas. Instalaram um regime ditatorial, baseado na religião. É uma diferença em relação a hoje. É um movimento sem líderes. É muito de baixo. O risco de uma ditadura é menor. Mas o futuro está aberto. Pode haver emergência de forças religiosas, o que seria muito negativo.

Qual a ligação desses movimentos com os que ocorrem na Europa ou nos EUA?
É a profunda crise econômica, resultado de décadas de neoliberalismo, que afetaram as proteções e os ganhos sociais. Acima de tudo, há o exemplo de Egito e Tunísia, que o mundo viu pela TV.
As pessoas vão para as ruas porque acreditam que ação de massas pode levar a alguma coisa. O "Ocupe Wall Street" é um movimento pequeno nos EUA se comparado aos que existem na Espanha ou na Grécia. O poder ideológico do capitalismo nos EUA é ainda muito forte. Mas é um início. No Reino Unido, haverá uma greve geral em novembro, que deve ser a maior em muitas décadas.

FOLHA.com
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