São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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CIA admite "diretrizes da tortura"

Pela 1ª vez, agência reconhece a existência de memorandos detalhando técnicas de interrogatório "agressivas"

Casa Branca entra com ação para legalizar prisão por tempo indeterminado de estrangeiros suspeitos de terrorismo dentro dos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Pela primeira vez em três anos, a CIA assumiu a existência de dois documentos com diretrizes para técnicas de interrogatórios "agressivas" a serem aplicadas em suspeitos de práticas de terrorismo. A agência de inteligência norte-americana recebeu o primeiro do presidente George W. Bush e o segundo, do Departamento de Justiça, de acordo com o próprio escritório legal da CIA.
Os documentos contêm "informações tão sensíveis", segundo o titular do escritório legal da CIA, John L. McPherson, que não podem ser liberados para o público nem parcialmente. O reconhecimento da existência dos dois memorandos, que a agência negava ou se recusava a falar a respeito, é resultado de um processo movido pela American Civil Liberties Union (ACLU), uma das principais entidades de direitos civis dos Estados Unidos.
Pode virar uma grande dor-de-cabeça do governo Bush num momento em que a oposição democrata toma conta do Congresso (a partir de 3 de janeiro), começa a escolher os nomes de seus líderes que estarão à frente das diversas comissões das duas Casas legislativas e promete convocar para audiências membros da administração republicana envolvidos em atividades antiterrorismo.
Na ação, amparada pela Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês), foram liberadas parcialmente mais de 100 mil páginas de documentos relacionadas à prisão e interrogatório de suspeitos pela agência desde o 11 de Setembro, entre outras atividades antiterrorismo. Entre os documentos pedidos pela ACLU, estavam os dois memorandos. Estes continuam secretos, mas tiveram sua existência reconhecida.
A entidade descreve o texto assinado pelo presidente como uma "diretriz" sobre interrogatórios e uma autorização para que a agência criasse prisões secretas fora dos EUA. Em setembro, Bush reconheceu em discurso a existência de prisões secretas da agência no exterior e pediu que o Congresso aprovasse as Comissões Militares especiais, para julgar suspeitos de terrorismo com leis próprias e que ferem a Constituição do país. Não falou do memorando.
O segundo documento, de agosto de 2002, é uma guia do Departamento de Justiça sobre como membros da organização terrorista Al Qaeda podem ser interrogados -e não tem a ver com outro polêmico memorando, do hoje titular do departamento, Alberto Gonzalez, que afirmava que membros do Taleban não tinham direito à proteção garantida pela Convenção de Genebra a prisioneiros de guerra.
"Pretendemos pressionar pela divulgação dos documentos", disse Jameel Jaffer, um dos advogados da ACLU envolvidos no caso. "Se o presidente e o Departamento da Justiça autorizaram a CIA a torturar seus prisioneiros, o público tem o direito de saber." A Casa Branca não comentou o caso.

Prisões nos EUA
Em um caso não relacionado, o governo Bush defendeu anteontem que imigrantes presos nos EUA sob suspeita de terrorismo podem ser detidos indefinidamente e não podem questionar sua prisão na Justiça. Até então, a Casa Branca defendia tal tratamento às prisões feitas no exterior.
Agora, segundo documentos apresentados à Corte de Recursos do 4º Circuito em Richmond, no Estado da Virgínia, o Departamento de Justiça defende que a lei recém-aprovada para os detentos da prisão militar de Guantánamo também vale para os estrangeiros que forem presos em solo americano. O caso em questão é o de Ali Saleh Kahlah Al Marri, cidadão do Qatar preso em 2001 enquanto estudava nos EUA.
"É chocante que esse direito [de questionar sua prisão] seja negado a um estrangeiro vivendo nos EUA", disse Jonathan Hafetz, advogado de Al Marri. A Casa Branca afirma que Al Marri é membro de uma "célula adormecida" da Al Qaeda.


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