São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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Após escândalos, Bachelet quer pacote anticorrupção

Desvio de recursos públicos para campanha de 2005 ameaça unidade da Concertação

No Chile, mortos e idosas aparecem inscritos em cursos de luta-livre; recursos do esporte foram para campanha de deputados

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

A presidente chilena Michelle Bachelet anunciou ontem a criação de uma comissão especial para propor um pacote de medidas anticorrupção. É a primeira reação concreta do governo, três semanas após vir a público o uso de dinheiro público em campanhas eleitorais de deputados da coligação oficial.
O dinheiro pertencia ao escritório estatal para os esportes, Chile Deportes. De acordo com uma primeira investigação da Controladoria Geral da República, de 77 projetos esportivos patrocinados, analisados por amostragem, 90% continham irregularidades.
Entre elas, desde idosas inscritas em cursos de capacitação em luta livre a pessoas já mortas que participam de seminários esportivos. Os projetos fajutos custaram US$ 750 mil.
Esse dinheiro foi parar na campanha de políticos para a eleição parlamentar do ano passado, por meio de empresas fantasmas. Até agora, sete deputados e um senador da base governista estão envolvidos.
Mas o escândalo não afeta só políticos do governo. Uma das empresas fantasmas, Publicam, também "prestou serviços" e deu notas fiscais para o candidato presidencial derrotado no segundo turno, o conservador Sebastián Piñeyra.
As notas fiscais frias da Publicam, por "serviços publicitários", foram apresentadas ao instituto eleitoral chileno para reembolso de gastos de campanha, de acordo com a legislação eleitoral chilena.

Concertação em crise
Os casos aconteceram no final do mandato do ex-presidente Ricardo Lagos, mas afetam diretamente a coligação de Bachelet, a Concertação -que governa o país desde o fim da ditadura militar, em 1990. Há uma troca de acusações entre os partidos da coligação, pois todos os parlamentares envolvidos com o financiamento ilegal são do Partido para a Democracia (PPD), de Lagos.
"Cada vez que acontecem escândalos de corrupção, cada partido tenta fazer com que os demais aliados paguem o preço", diz o analista político Patricio Navia, colunista do jornal "La Tercera".
Para tentar colocar ordem na casa, Bachelet nomeou para a comissão autoridades do governo e acadêmicos, liderados pelo ministro da Economia. O objetivo é que proponham medidas para regulamentação dos lobbies, financiamento dos partidos políticos e aumento da transparência do governo.
Para o cientista político José Miguel Izquierdo, que dirige o Observatório Eleitoral do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales, "Bachelet tem demonstrado escassa capacidade para fazer alianças ou para aglutinar sua própria coligação".
"O pior problema para ela é o fogo amigo, pois a direita ainda não capitalizou o escândalo. Como políticos da direita também se serviram de empresas fantasmas, para a opinião pública é tudo igual", disse Izquierdo à Folha. "O caso ainda não provocou danos sérios ao governo porque boa parte dos chilenos acha que todos os políticos são suscetíveis à corrupção", afirmou.
Várias greves nos últimos meses -de estudantes e profissionais de saúde- demonstram que os chilenos não andam tão satisfeitos com o sucesso econômico do país. Mas a popularidade da presidente é alta. Pesquisa a ser divulgada amanhã pelo Observatório Eleitoral aponta que 58% dos entrevistados aprovam Bachelet - 30% dos eleitores que se identificam com a direita também têm imagem positiva da presidente.
Bachelet, há oito meses no cargo, já sofre com a disputa no interior da coligação sobre quem será o seu sucessor. As eleições acontecem em 2009.
Já a oposição havia ameaçado paralisar a votação do Orçamento no Congresso até que o governo desse respostas ao escândalo. Diante da reação da opinião pública, que viu mais oportunismo na atitude, limitou-se a se abster na primeira votação.


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