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Africanos se arriscam para chegar à Europa
No norte do Marrocos, Folha acompanha artimanhas de homens que chegam a se esconder em eixos de caminhão
"Haragas", como são chamados, sonham em cruzar os 14 km que separam Marrocos do território espanhol
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TÂNGER (MARROCOS)
Meia-noite no porto de
Tanger Med, extremo norte
do Marrocos.
Quatro jovens caminham
agachados e em silêncio rente à cerca do pátio que abriga
caminhões de carga prontos
para embarcar nos navios
com destino à Europa.
Os jovens penetram do outro lado da grade por uma
fresta e, em segundos, se dispersam entre as dezenas de
caçambas enfileiradas.
Um deles, Ahmed, se alojou no eixo das rodas traseiras de um caminhão com placa espanhola. E lá pretende
se esconder até o veículo desembarcar no seu porto de
chegada.
Seguranças com cães farejadores percorrem o pátio. O
vento forte e gelado despista
os animais, que latem sem
achar o alvo.
Ahmed quer ser um "haraga", um queimador de fronteira, em árabe, e seguir os
passos daqueles que transformaram os 14 km de mar
que separam a África da Europa em um dos mais antigos
corredores de imigração ilegal no mundo.
A Folha, que acompanhou a cena do embarque
clandestino no caminhão,
não soube se Ahmed conseguiu alcançar a outra margem do estreito de Gibraltar
ou se ele foi detectado pela
polícia nos procedimentos
de segurança que antecedem
o embarque dos caminhões
-o mais temido é o scanner
na lataria, que rastreia clandestinos pelo calor corporal.
"Tentarei quantas vezes
forem necessárias", disse
Ahmed. Morador de Agadir,
no sul marroquino, decidiu
se arriscar após receber telefonema de um amigo que
conseguiu chegar à Espanha, onde descolou emprego
informal no setor agrícola.
Os clandestinos que a polícia barra são geralmente colocados num camburão e
despejados na cidade de
Tânger, a 40 km. Há relatos
de espancamento e extorsão.
As ruas de Tânger, tradicional reduto do turismo
boêmio, estão cheias de aspirantes a "haragas".
Vêm de diferentes regiões
do país e são reconhecíveis
pelas roupas surradas e aspecto sujo. Quase todos dormem na rua.
CONCORRÊNCIA
Enquanto esperam a hora
de tentar ou retentar a travessia, ganham trocados carregando bagagens na rodoviária ou vendendo haxixe para
turistas europeus.
Manco de nascença e sem
ter sequer um documento de
identidade, Abdellah, 27, orgulha-se de já ter entrado
clandestinamente duas vezes na Europa.
Na primeira, em 2005, ele
nadou nas águas do porto de
Casablanca, no litoral Atlântico, com uma corda e um
gancho que lhe permitiram
subir no convés de um navio
de passageiros.
Por meses, viveu de pequenos furtos em lojas de
conveniência. "É fácil. Basta
retirar as etiquetas e colocar
tudo no bolso", relata. Num
simples controle de identidade pela polícia, foi preso e deportado.
Abdellah voltou à Espanha no ano passado. Desta
vez, depois de subornar um
motorista de caminhão para
viajar escondido na boleia.
Sem poder trabalhar legalmente, rendeu-se ao dinheiro fácil do narcotráfico.
Acabou detido com nove
quilos de haxixe e, em abril,
foi novamente devolvido ao
Marrocos.
Abdellah exibe uma foto
da mãe e se emociona. "Sinto
muita saudade dela, mas não
posso visitá-la. Ela acha que
ainda estou na Europa".
Imigrantes do Mali, Mauritânia e Senegal, entre outros
países, também povoam as
ruas de Tânger.
Muitos atravessaram o
Saara a pé para também se
tornar "haragas". São detestados pelos clandestinos
marroquinos, que os encaram como concorrentes.
Em vez de se esconder em
caminhões, como os marroquinos, os subsaarianos geralmente pagam o equivalente a R$ 4.000 por um lugar
nas balsas que atravessam o
estreito de Gibraltar.
Apesar de muitas balsas
virarem na travessia, despejando corpos nas praias das
duas margens, o método é tido como o mais certeiro para
chegar à Europa.
As balsas saem de vários
pontos secretos do litoral. A
Folha esteve em um dos
mais usados pelos coiotes,
uma prainha rochosa situada perto do farol de Mnar, ao
pé de uma montanha.
Só se chega no local descendo uma trilha íngreme,
que corta uma floresta de arbustos espinhosos.
O caminho é cheio de lixo
e excremento deixados pelos
"haragas" que passaram
noites no mato.
Abdellah, o ex-vendedor
de haxixe, está juntando dinheiro para voltar à Europa.
"Não dá para ficar aqui.
Na Europa até quem é pobre
tem o mínimo para viver. Isso se chama dignidade".
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