São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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VENEZUELA

Homem-forte do presidente, Rangel classifica a greve geral de "sabotagem" e defende o "aprofundamento" das negociações

Chávez quer diálogo mas não cede, diz vice

Kimberly White - 30.abr.2002/Reuters
Rangel (à esq.) conversa com Chávez na instalação da mesa de diálogo com a oposição, em abril


ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

O governo venezuelano considera o "aprofundamento do diálogo" a saída para a crise política por que passa o país, mas não cederá às exigências feitas pela oposição para a renúncia do presidente Hugo Chávez e a convocação de eleições antecipadas.
Em entrevista por telefone à Folha, na tarde de anteontem, o vice-presidente do país, José Vicente Rangel, classificou a greve geral liderada pela oposição desde o dia 2 de "sabotagem terrorista".
A greve, convocada para pressionar Chávez a aceitar um referendo sobre seu mandato, que termina em 2007, praticamente paralisou a indústria petroleira, principal fonte de divisas do país.
Apesar dos fortes sinais de desabastecimento e das declarações de outros membros do governo de que o país poderá até mesmo importar gasolina e mão-de-obra para compensar os efeitos da greve, Rangel nega que ela esteja afetando a vida cotidiana do país. "Com uma paralisação de 12 dias, ou o país é extremamente poderoso para resistir a ela, ou não existe paralisação", disse. "O país está funcionando perfeitamente."
Homem-forte do governo Chávez, no qual já foi ministro das Relações Exteriores e da Defesa, Rangel é também o representante do presidente na mesa de diálogo mediada pela OEA (Organização dos Estados Americanos).
Mesmo com a presença em Caracas do secretário-geral da OEA, César Gaviria, há mais de um mês, até agora os esforços da mesa foram infrutíferos.

Folha - Qual é a saída para a atual crise política na Venezuela?
José Vicente Rangel -
O diálogo. Aprofundar o diálogo.

Folha - Mas o diálogo é possível? O secretário-geral da OEA, César Gaviria, está tentando mediar um diálogo, mas até agora não há resultados. Que tipo de entendimento é possível?
Rangel -
O diálogo é justamente para buscar entendimentos. É um processo. Estamos há quatro semanas reunidos numa mesa de diálogo, mas, em quatro semanas, não se pode resolver um problema. Já conseguimos nos sentar, governo e oposição, em torno de uma mesa.

Folha - Mas tanto o governo quanto a oposição mantêm posições muito duras, sem dar sinais de que podem ceder.
Rangel -
As posições têm de ser muito duras mesmo. Para isso é que existe o diálogo, para abrandá-las. Para o entendimento.

Folha - A oposição exige a convocação de um referendo ou de eleições antecipadas. O governo pode ceder nesse ponto?
Rangel -
Não, não cederemos. Vamos respeitar o que estabelece a Constituição. Pode haver um referendo revogatório do mandato do presidente a partir de agosto do ano que vem. Isso já está previsto na Constituição.

Folha - Então que proposta o governo teria à oposição?
Rangel -
Primeiro deve-se reconstruir a poder eleitoral, que praticamente não existe. Isso tomaria um tempo. Designar novas autoridades eleitorais, depurar os registros eleitorais. Isso leva pelo menos quatro ou cinco meses. E para agosto faltam sete meses. Mais dois meses de campanha e já chegamos lá, para um referendo revogatório, constitucional, estabelecido no artigo 71.

Folha - Os EUA defenderam em um comunicado a realização de eleições antecipadas como uma possível saída para a crise venezuelana. Qual a posição do governo em relação a esse comunicado?
Rangel -
Respeitamos a opinião, mas essa é uma questão de competência dos venezuelanos. De ninguém mais.

Folha - Existe uma proposta em discussão na Assembléia Nacional para uma emenda constitucional que permita a convocação de um referendo ou de eleições antecipadas. Qual a posição do governo?
Rangel -
Há um grupo de deputados que quer introduzir uma proposta de emenda constitucional. Entre as fórmulas permitidas pela Constituição estão as emendas para reformá-la. Mas isso corresponde ao Poder Legislativo, não ao Executivo.

Folha - E se essa emenda for aprovada, o governo permitiria a realização de eleições antecipadas?
Rangel -
Não cabe ao governo permitir ou não. Se fizerem a reforma, não há nenhum problema.

Folha - Mas os deputados governistas votariam a favor dessa emenda?
Rangel -
Não sei, isso corresponde a eles. Não controlamos isso. Essa é uma matéria que eles decidiriam. Isso depende dos debates, das considerações que eles farão, porque nós não costumamos impor linhas de atuação para os deputados que apóiam ao governo.

Folha - Então o governo não tomaria posição em relação à votação?
Rangel -
Possivelmente tomaremos uma posição, mas antes de tudo temos de respeitar a posição dos deputados.

Folha - A situação no país está se deteriorando, com uma greve geral que já chega quase a duas semanas. Como o governo pretende enfrentar isso?
Rangel -
Com a pergunta que você me faz, vejo que não sabe o que está acontecendo realmente no país. Digo o seguinte: com uma paralisação de 12 dias, ou o país é extremamente poderoso para resistir a ela, ou não existe paralisação. E o país está funcionando perfeitamente. O transporte, o comércio, as indústrias básicas. O único problema que tivemos foi uma sabotagem na indústria petrolífera, que não é sequer uma paralisação. Mas isso já está sendo recuperado. Ontem saíram dois petroleiros para os EUA carregando 1,5 milhão de barris de petróleo.

Folha - Mas não deveriam sair 40 petroleiros por dia?
Rangel -
Sim, mas vamos pouco a pouco recuperando. A distribuição de combustível está garantida em todo o país. As refinarias estão trabalhando. Tivemos alguns contratempos porque isso foi uma sabotagem planejada há vários meses. Isso não é uma paralisação. É sabotagem terrorista.

Folha - Que objetivo teria essa sabotagem?
Rangel -
Derrubar o governo.

Folha - O governo está preparado hoje para enfrentar uma eventual tentativa de golpe, como a que tirou Chávez do poder por dois dias?
Rangel -
Totalmente preparado.

Folha - Em abril, oficiais das Forças Armadas apoiaram o golpe. Por que isso não poderia se repetir?
Rangel -
Isso não existe mais. Essa gente já foi afastada. Hoje todas as Forças Armadas estão compactadas em torno da Constituição e do presidente da República.

Folha - E a questão do apoio popular? As pesquisas mostram uma grande insatisfação com o presidente, e a oposição tem conseguido reunir muita gente em suas manifestações.
Rangel -
Vocês não podem se guiar só pelo que dizem os meios de comunicação. Eles estão envolvidos com a oposição e não divulgam as manifestações gigantescas que o governo faz, que superam em muitas vezes as da oposição. O apoio ao presidente é muito maior que o dado à oposição.

Folha - Na semana passada, em um ato da oposição na praça França de Altamira, três pessoas foram mortas num tiroteio, pelo qual a oposição acusou o governo. As pessoas que dispararam têm ligações com o governo?
Rangel -
Esses fatos estão sendo investigados. A oposição, irresponsavelmente, quando o sangue dos mortos ainda estava fresco, já estava acusando o governo. Não fomos tão irresponsáveis quanto eles -não podíamos dizer que se tratava de um "auto-atentado". A questão está sendo investigada seriamente. Mas podemos garantir que não há nenhuma ligação entre o criminoso que disparou e o governo. Somos os mais interessados em esclarecer a verdade.

Folha - O acirramento das manifestações não pode levar a uma situação como a de 11 de abril, quando ao menos 17 pessoas foram mortas durante uma manifestação em Caracas?
Rangel -
Acho que não. A oposição está muito debilitada. Atuaram assim em abril, de forma agressiva e terrorista, porque contavam com o golpe militar. Agora não têm mais a opção militar, estão muito desgastados e desmoralizados.

Folha - Existe a possibilidade de o governo decretar um estado de exceção se a greve continuar?
Rangel -
Em nenhum momento. Isso não está previsto. Consideramos que a situação não exige uma medida de exceção. Podemos administrar a situação com a Constituição e com as normas legais normais.

Folha - E até que ponto o país pode resistir com o prolongamento da paralisação na indústria petrolífera, pilar de sua economia?
Rangel -
Pode resistir perfeitamente, sem problemas.

Folha - Mas a economia não está sendo afetada? A agência de classificação de risco americana Standard & Poors acaba de rebaixar a classificação da dívida pública venezuelana por considerar que a greve torna a situação econômica mais complicada.
Rangel -
Em abril, ocorreu a mesma coisa. São opiniões extremamente comprometidas, que estão em uma linha de enfrentamento ao governo do presidente Hugo Chávez.

Folha - Chávez termina seu mandato, em 2007?
Rangel -
Acredito que sim. Não está previsto, por ora, o encurtamento do mandato.

Folha - Chávez conversou por telefone nesta semana com o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele recebeu algum pedido ou sugestão de Lula para lidar com a crise?
Rangel -
Eu não posso revelar as conversações do presidente. São conversas privadas, não posso revelar seu conteúdo.

Folha - O governo venezuelano espera algum tipo de ajuda ou apoio do futuro governo Lula?
Rangel -
Esperamos manter o mesmo tipo de relações excelentes que tivemos com o presidente Fernando Henrique Cardoso.


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