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Em 24 anos, Saddam destruiu Iraque
Com base política frágil, ex-ditador manteve-se no poder por meio da crueldade e do terror extremos
PATRICK COCKBURN
DO "INDEPENDENT"
Retratos desfigurados de Saddam Hussein se espalham por toda parte no Iraque. Na entrada de
cada cidade iraquiana há um retrato do líder iraquiano, hoje com
o rosto pipocado de buracos de
bala ou semidestruído por coronhadas, olhando para seu país devastado e ocupado.
Saddam realizou só um de seus
sonhos. Ele queria ser um marco
na história, fazer seu nome ser conhecido no mundo. Em função
dos absurdos do culto a sua pessoa em seu próprio país e da satanização, às vezes igualmente exagerada, de seu governo por seus
inimigos no exterior, o fato é que
seu nome jamais será esquecido.
Saddam destruiu o Iraque.
Quando chegou à Presidência, em
1979, ele ganhou controle de um
país com uma população instruída, dotada de uma administração
eficiente e extensas reservas petrolíferas. Em um quarto de século, ele depauperou sua população,
obrigou boa parte dela a partir para o exílio e deixou os campos de
petróleo do Iraque nas mãos de
tropas estrangeiras.
Ele não era destituído de inteligência, mas era a inteligência do
policial secreto. E, em momentos
cruciais, era quase sempre superada por sua arrogância. Suas
ações afetaram de maneira tão
dramática o Iraque, o Oriente Médio e o mundo que é fácil esquecer
que, sob muitos aspectos, Saddam era um político de pequena
monta, cuja base política em seu
país nunca deixou de ser estreita.
Saddam afirmava ter ascendido
ao poder graças unicamente a
seus esforços próprios, mas, na
realidade, foi criado por uma família, uma cidade e uma comunidade que já buscavam o poder.
Nascido em 1937 perto da cidade
de Tikrit, seu clã e sua tribo já tinham posições importantes no
Exército quando Saddam era garoto. Ele era muçulmano sunita
num país de maioria xiita no qual
os sunitas sempre exerceram o
controle efetivo, mesmo sob domínio otomano e britânico.
Conduzido ao poder por um
golpe de Estado militar em 1968, o
Partido Baath nunca chegou a ter
uma base nas massas, embora em
dado momento tenha declarado
ter 1,5 milhão de membros. Três
quartos da população iraquiana
eram formados por curdos ou xiitas que sempre temeram e odiaram o regime. Não era um governo militar, um que fosse dotado
da grande segurança de possuir
força armada avassaladora, mas
um governo dependente dos serviços de segurança, cujo domínio
era mantido por meio da crueldade e do terror extremos.
Era um regime extremamente
tribal. Saddam era membro do clã
Baijat, um dos seis clãs pertencentes à confederação tribal Albu Nasir, da região de Tikrit. Mas havia
outras subdivisões. Era pela linhagem Albu Ghafar, à qual Saddam pertencia, que o líder iraquiano governava, distribuindo
cargos-chave na segurança a seus
parentes próximos. Esse controle
tribal era oculto pela política aparente do Baath de opor-se ao tribalismo e de proibir as pessoas de
usar nomes de origens tribais.
Três guerras
A debilidade do governo de
Saddam se evidenciou nas três
guerras que ele travou. Em 1980,
Saddam invadiu o Irã, estimulado
pelas então aliadas potências ocidentais, assustadas com a Revolução Islâmica de 1979, mas os iranianos o rechaçaram até o cessar-fogo de 1988. Em 1991, boa parte
do Exército iraquiano no Kuait
não combateu. A ""mãe de todas
as batalhas" que Saddam prometeu não chegou a acontecer.
Saddam preparou cuidadosamente a guerra deste ano contra
os EUA e o Reino Unido. Forças
de segurança, os fedayin de Saddam e militantes do Partido Baath
foram enviados para impedir as
deserções, sob a mira de armas.
Por algum tempo, essa tática pareceu funcionar. Mas, quando as
forças americanas se aproximaram de Bagdá, as muito faladas
divisões da Guarda Republicana
desapareceram. O número de iraquianos dispostos a morrer por
Saddam -e morrer sabendo que
a derrota era inevitável- acabou
sendo minúsculo.
Saddam mostrava seu lado mais
eficaz quando enfrentava a derrota. Era quando a realidade, normalmente obscurecida pelas lisonjas e o pensamento voltado ao
que ele desejava, começava a atingi-lo. Saddam conseguiu evitar a
derrota pelo Irã, embora o tenha
feito só com a ajuda de boa parte
do resto do mundo. Em 1991, ele
sobreviveu à derrota total no
Kuait e a duas grandes insurreições, dos curdos e dos xiitas.
Depois da derrota de 1991, sua
margem de manobra se tornou
restrita. Dependia de um círculo
interno de familiares para se proteger contra golpes. Nenhuma
unidade militar podia ser deslocada sem a aprovação dos serviços
de segurança. As sanções reduziram o nível de vida iraquiano ao
de um país centro-africano depauperado. Mas não afetaram o
estilo de vida de Saddam, nem
impediram que enormes palácios
vazios fossem erguidos nas principais cidades do país.
O fato de 60% dos iraquianos
serem miseráveis, dependentes
dos alimentos pagos com o programa da ONU de petróleo em
troca de comida e distribuídos
com eficiência pela gestão iraquiana, tornava a população ainda mais subordinada ao governo.
Nos últimos 12 anos, Saddam
pôde sobreviver no poder porque,
em última análise, os EUA não faziam objeções a um Iraque enfraquecido, tratado como pária internacional.
Despreparo militar
Quando veio a guerra, as armas
de destruição em massa nunca foram usadas e é possível que nunca
tenham existido em grande quantidade. O Exército iraquiano era
fraco e mal equipado, e seus homens mal tinham como se alimentar. A formação das chamadas unidades de elite, compostas
de homens tirados de tribos sunitas, era profundamente desmoralizadora para o resto do Exército,
do qual 80% eram xiitas.
Depois de 1991, Saddam fez
muito pouco, exceto manter-se
no poder. Entre 1995 e 1996, superou uma série de crises que incluíram uma tentativa de golpe, a deserção de seu genro general Hussain Kamel (posteriormente
atraído de volta a Bagdá e assassinado) e um atentado que feriu seu
filho mais velho, Uday. Mas ele
não conseguiu pôr fim às sanções
nem romper o isolamento internacional do Iraque, embora seu
poder interno parecesse sólido.
Cerco americano
Tudo isso mudou com o 11 de
Setembro. Não foi difícil retratar
Saddam como sendo uma ameaça e motivo de preocupação para
todos os americanos. Desde o início do ano passado, Washington
parecia estar decidida a ir à guerra. Saddam tentou adiar a investida, autorizando o retorno dos inspetores da ONU, mas provavelmente com poucas esperanças de
adiar a batalha final.
Não se sabe quais foram seus
pensamentos nos últimos dias do
regime. Apesar de terem expresso
lealdade eterna ao líder, vários
membros de alto escalão iraquiano parecem ter decidido que não
iriam lutar até o fim. Bagdá não
foi fortificada contra um cerco. As
pontes sobre os rios Tigre e Eufrates não foram destruídas.
A carreira de Saddam Hussein
terminou em fracasso total e na
destruição do Iraque. Ele não possuía qualidades notáveis que o redimissem. A selvageria de seu regime autoritário era exacerbada
pelas divisões internas do Iraque,
mas ele próprio fez o que pôde para garantir que as diferentes comunidades iraquianas se sentissem ameaçadas umas pelas outras. Nas semanas que se seguiram à queda de Bagdá, entretanto,
é possível que Saddam tenha se
comprazido em ver os EUA tão
rapidamente dissipar, aos olhos
da população iraquiana, qualquer
capital político que pudessem ter
ganho com sua derrubada, apesar
da tristeza de ver a morte de seus
dois filhos, Uday e Qusay, nas
mãos dos americanos.
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