São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Partidos e ONGs debatem na Zona Verde o futuro do país conciliando propostas conservadoras

Democraticamente, iraquianos querem defender tradições

KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BAGDÁ

"Condoleezza Rice é o modelo de uma mulher que é líder", diz com suavidade a presidente da Associação de Mulheres de Bagdá, uma xiita de 40 anos que pediu o anonimato por questão de segurança, depois de explicar a jornalistas o trabalho desenvolvido para incentivar a participação feminina nas eleições.
"E, com diferenças, Margaret Thatcher também", prosseguiu, provocante, depois de falar em defesa dos direitos femininos e, ao mesmo tempo, exaltar as tradições muçulmanas, segundo as quais a função primordial da mulher é cuidar do lar, dos filhos e da família. Ela não hesitou em criticar organizações como a de Yanar Mohammed -a Organização para a Liberdade das Mulheres no Iraque-, que é "liberal demais e por tentar colocar homens e mulheres em pé de igualdade". "Isso desrespeita as tradições."
A dirigente contraditória, que é de Jafaria, ao sul da capital, observou que, "no governo de Saddam, não havia mulheres com poder", desprezando o fato de que, sobretudo antes do início da guerra com o Irã, em 1980, as iraquianas eram vistas como sendo as mulheres que tinham mais instrução e proteção legal de todo o mundo árabe.
O depoimento da presidente da associação faz parte de um encontro com atores sociais que colaboram com o processo eleitoral. O encontro aconteceu horas antes do encerramento da campanha eleitoral. O local escolhido foi a hipervigiada Zona Verde, que é alvo de ataques e atentados diários, segundo fontes extra-oficiais, e cuja paisagem sofreu mudanças importantes nos últimos meses.
Os postos de controle para o acesso à Zona Verde começaram há pouco tempo a ser vigiados por jovens soldados vindos da ex-república soviética da Geórgia. Com seu domínio apenas rudimentar do inglês, eles verificam os documentos de quem passa pelas duas primeiras barreiras, ao lado de ex-militares peruanos, chilenos e hondurenhos, que vieram substituir os gurcas nepaleses que trabalham para a empresa britânica Global Security.
"Estou farto de estar aqui", fala, sorridente, um dos guardas peruanos, que compõem 70% do contingente. "É a segunda vez que estou aqui, e a situação piora a cada dia que passa."
"Tome muito cuidado", recomenda um hondurenho que, ao lado de outros 250 ex-militares chilenos, pertence à empresa de segurança Triple Canopy, de Washington, enquanto uma explosão sacode a região.

Encontro
"Este é o meu trabalho, não o seu", disse Muthal al Alusi, secretário-geral do Partido para a Nação Árabe, de extração sunita, a um tradutor iraquiano, que lhe perguntou o que os políticos fazem pela população em matéria de segurança, emprego e serviços básicos, que andam escassos.
Respondendo em árabe e com um olhar gélido, o candidato perdeu sua compostura, e o discurso estudado que vinha mantendo até aquele momento se diluiu depois de ele admitir que, em zonas como a de Anbar ou a de Saladin, o governo, de fato, não exerce controle. "Mas, de qualquer maneira, a eleição será muito diferente da anterior", ressaltou.
Quando foi a vez de Nadeem al Jaarabi, do partido xiita Fadilla, que faz parte da coalizão Aliança Iraquiana Unida, seu discurso girou em torno dos "problemas técnicos" que afligem o processo democrático. Ele disse que, depois dos longos exílios xiitas provocados pelo regime de Saddam Hussein, é preciso recuperar a reputação dos partidos xiitas.
"Os sunitas são nossos irmãos, mas precisamos convencer os iraquianos a votar em nós, que somos a maioria desde antes da criação do país", disse Al Jaarabi. Horas depois, milhares de manifestantes se reuniram em torno da cidade, gritando palavras em favor do aiatolá Ali al Sistani, depois que um político local emitiu opiniões contrárias a Al Sistani.


Tradução de Clara Allain

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