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IRAQUE SOB TUTELA
Partidos e ONGs debatem na Zona Verde o futuro do país conciliando propostas conservadoras
Democraticamente, iraquianos querem defender tradições
KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BAGDÁ
"Condoleezza Rice é o modelo
de uma mulher que é líder", diz
com suavidade a presidente da
Associação de Mulheres de Bagdá, uma xiita de 40 anos que pediu
o anonimato por questão de segurança, depois de explicar a jornalistas o trabalho desenvolvido para incentivar a participação feminina nas eleições.
"E, com diferenças, Margaret
Thatcher também", prosseguiu,
provocante, depois de falar em
defesa dos direitos femininos e, ao
mesmo tempo, exaltar as tradições muçulmanas, segundo as
quais a função primordial da mulher é cuidar do lar, dos filhos e da
família. Ela não hesitou em criticar organizações como a de Yanar
Mohammed -a Organização para a Liberdade das Mulheres no
Iraque-, que é "liberal demais e
por tentar colocar homens e mulheres em pé de igualdade". "Isso
desrespeita as tradições."
A dirigente contraditória, que é
de Jafaria, ao sul da capital, observou que, "no governo de Saddam,
não havia mulheres com poder",
desprezando o fato de que, sobretudo antes do início da guerra
com o Irã, em 1980, as iraquianas
eram vistas como sendo as mulheres que tinham mais instrução
e proteção legal de todo o mundo
árabe.
O depoimento da presidente da
associação faz parte de um encontro com atores sociais que colaboram com o processo eleitoral. O
encontro aconteceu horas antes
do encerramento da campanha
eleitoral. O local escolhido foi a hipervigiada Zona Verde, que é alvo
de ataques e atentados diários, segundo fontes extra-oficiais, e cuja
paisagem sofreu mudanças importantes nos últimos meses.
Os postos de controle para o
acesso à Zona Verde começaram
há pouco tempo a ser vigiados por
jovens soldados vindos da ex-república soviética da Geórgia. Com
seu domínio apenas rudimentar
do inglês, eles verificam os documentos de quem passa pelas duas
primeiras barreiras, ao lado de ex-militares peruanos, chilenos e
hondurenhos, que vieram substituir os gurcas nepaleses que trabalham para a empresa britânica
Global Security.
"Estou farto de estar aqui", fala,
sorridente, um dos guardas peruanos, que compõem 70% do
contingente. "É a segunda vez que
estou aqui, e a situação piora a cada dia que passa."
"Tome muito cuidado", recomenda um hondurenho que, ao
lado de outros 250 ex-militares
chilenos, pertence à empresa de
segurança Triple Canopy, de
Washington, enquanto uma explosão sacode a região.
Encontro
"Este é o meu trabalho, não o
seu", disse Muthal al Alusi, secretário-geral do Partido para a Nação Árabe, de extração sunita, a
um tradutor iraquiano, que lhe
perguntou o que os políticos fazem pela população em matéria
de segurança, emprego e serviços
básicos, que andam escassos.
Respondendo em árabe e com
um olhar gélido, o candidato perdeu sua compostura, e o discurso
estudado que vinha mantendo até
aquele momento se diluiu depois
de ele admitir que, em zonas como a de Anbar ou a de Saladin, o
governo, de fato, não exerce controle. "Mas, de qualquer maneira,
a eleição será muito diferente da
anterior", ressaltou.
Quando foi a vez de Nadeem al
Jaarabi, do partido xiita Fadilla,
que faz parte da coalizão Aliança
Iraquiana Unida, seu discurso girou em torno dos "problemas técnicos" que afligem o processo democrático. Ele disse que, depois
dos longos exílios xiitas provocados pelo regime de Saddam Hussein, é preciso recuperar a reputação dos partidos xiitas.
"Os sunitas são nossos irmãos,
mas precisamos convencer os iraquianos a votar em nós, que somos a maioria desde antes da
criação do país", disse Al Jaarabi.
Horas depois, milhares de manifestantes se reuniram em torno da
cidade, gritando palavras em favor do aiatolá Ali al Sistani, depois
que um político local emitiu opiniões contrárias a Al Sistani.
Tradução de Clara Allain
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