São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Nova geração muda política sul-coreana

Após 20 anos de liderança de esquerda, jovens eleitores dão peso maior à economia na eleição presidencial do dia 19

Analistas temem que desemprego e busca por novidade ajudem a eleger candidato que ameace conquistas democráticas

ANNA FIFIELD
DO "FINANCIAL TIMES"

Há 20 anos, uma geração de estudantes universitários determinados realizou seu sonho de levar a democracia à Coréia do Sul, após uma luta longa e sangrenta contra os governantes militares. Conhecida como a "geração 386" -porque seus integrantes estão na casa dos 30 anos, concluíram seus estudos nos anos 1980 e nasceram na década de 1960-, esse mesmo grupo uniu-se há cinco anos em torno do candidato presidencial independente que esperava fosse reforçar os princípios democráticos na Coréia do Sul.
Hoje, porém, muitos de seus integrantes estão desiludidos. O candidato que eles apoiaram, Roh Moo-hyun, revelou-se um presidente demasiado centrista para o gosto de muitos da geração 386 e radical demais para a maioria da população. Após dez anos de governo de Roh e seu antecessor progressista, Kim Dae-jung, há indícios de que a Coréia do Sul possa voltar atrás no tempo, optando por um presidente à moda antiga na eleição da próxima semana. O candidato mais bem situado nas pesquisas de opinião, Lee Myung-bak, foi prefeito de Seul e é presidente de uma construtora. Membro do conservador Grande Partido Nacional, ele prometeu dinamizar a economia sul-coreana e ostenta uma vantagem de 20 pontos percentuais nas pesquisas sobre Chung Don-young, aliado ideológico de Roh.
Boa parte da popularidade de Lee se deve ao fato de ele ser tão diferente de Roh que, como "outsider" político, representou de certo modo um experimento para os eleitores da Coréia do Sul. "Na última eleição, as forças progressistas apoiaram Roh Moo-hyun, mas hoje elas se sentem traídas pela política dele e pela maneira como ele às vezes procurou agradar às forças mais conservadoras na sociedade sul-coreana", disse Choi Jang-jip, renomado cientista político e especialista em democracia que assessorou o ex-presidente Kim Dae-jung.
As pesquisas indicam que a ideologia e a idade, dois fatores-chave que ajudaram a conduzir Roh à Casa Azul em 2002, terão peso menor desta vez, enquanto os padrões históricos de voto regional continuam fortes. Além disso, os eleitores sul-coreanos parecem estar menos interessados nesta eleição que em pleitos anteriores: uma pesquisa conduzida por autoridades eleitorais com 1.500 pessoas constatou que apenas 67% delas pretendem ir às urnas. É um índice muito baixo, após os 71% constatados em 2002, um recorde em termos de pouca participação dos eleitores.

Algo novo
A esquerda sul-coreana atribuiu sua impopularidade a um simples desejo por mudanças. "Depois de dois governos progressistas, as pessoas estão fartas... E talvez achem que ficamos arrogantes e desunidos", disse o deputado Yoo In-tae, do Novo Partido Democrático Unido, de Chung Dong-young. "Acho que muitas coisas mudaram para melhor, mas as pessoas tendem a enxergar as transformações positivas como algo garantido e a esperar sempre mais."
Muitos analistas políticos temem que, dando vazão a esse desejo por algo novo, os sul-coreanos possam acabar jogando fora o que ainda resta de uma democracia incipiente. "Hoje as pessoas pensam que a economia é a coisa mais importante e que precisamos de um líder forte em economia. Por isso, estão dispostas a sacrificar o desenvolvimento democrático, se isso levar a uma economia melhor", ponderou Mo Jong-ryn, da Universidade Yonsei.
Desde a introdução da democracia, em 1987, a sociedade sul-coreana passou por transformações aceleradas, e os últimos cinco anos foram marcados por melhoras significativas na independência institucional. Roh libertou do controle do Executivo vários órgãos e setores governamentais, como o Serviço Nacional de Impostos, o Ministério Público e o Judiciário. Mas os partidos políticos continuam a ascender e cair segundo a popularidade de seus líderes, muito mais que pela convicção que a população sente em suas posturas políticas -e por essa razão, segundo Choi, a democracia sul-coreana "ainda é muito subdesenvolvida; enquanto o sistema partidário é extremamente caótico".
Mo disse que a qualidade do discurso público na Coréia do Sul precisa melhorar e que o país precisa instituir mais "freios e incentivos" para que se possa cobrar responsabilidade do presidente.

"Geração US$ 950"
Park Kyung-he manifesta pouco interesse na eleição presidencial sul-coreana do próximo dia 19. Ela pretende votar em Moon Kook-hyun -candidato progressista cujo índice de intenção de voto, segundo as pesquisas, é inferior a 10%- simplesmente porque não gosta de nenhum dos candidatos principais. "Nenhum dos outros candidatos me parece bom", disse a jovem de 25 anos, assistente social formada mas que trabalha como secretária num órgão de desenvolvimento do governo.
Park e seus pares estão emergindo nesta eleição como força política imprevisível. Do mesmo modo que a geração 386 emergiu como bloco poderoso na última eleição, os cientistas políticos agora analisam a chamada "geração US$ 950": a geração de jovens na casa dos 20 anos que vem tendo dificuldade em encontrar trabalho desde a crise financeira asiática. Enquanto os membros da geração 386 conseguiam encontrar empregos sólidos em praticamente qualquer empresa que quisessem, depois de formados, hoje os jovens na casa dos 20 anos são obrigados, cada vez mais, a trabalhar em regime de meio período ou em empregos temporários, freqüentemente por salários muito baixos.
O desemprego entre os jovens é um problema sério, e a imensa maioria dos jovens na casa dos 20 anos trabalha, como Park, com contratos de curto prazo e poucos benefícios. Ninguém sabe como esses jovens votarão nesta eleição, mas alguns cientistas políticos apostam que, diferentemente de seus predecessores progressistas, eles possam enxergar a política econômica como o fator mais importante a levar em conta. "Depois de me formar na universidade, em 2006, tentei por um ano encontrar trabalho numa grande empresa, mas não consegui ser contratada", disse Park, que ganha cerca de US$ 1.000 mensais num emprego que vai acabar em 2008.
"O problema não se resume ao dinheiro", disse ela. "Quero receber da empresa um tratamento igual ao que é dado aos funcionários contratados."


Tradução de CLARA ALLAIN


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