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ARTIGO
A crise externa que Obama não esperava
Pouco voltado à questão israelo-palestina até agora, presidente eleito dos EUA pode pagar caro se mantiver abordagem de antecessores
DAVID RIEFF
Há um trecho em um romance de P.G. Wodehouse em que o
protagonista observa que "em
algum ponto lá atrás, o destino
forrava a luva de boxe com
chumbo". Conheça esse trecho
ou não, o presidente eleito dos
EUA, Barack Obama, deve estar
sentindo algo parecido: a sensação de ter sido emboscado
pela única crise que ele e seus
assessores não parecem ter
previsto que teriam que enfrentar logo ao assumir o poder.
Isso não significa que eles esperavam que tudo fosse tranquilo. Pelo contrário: a campanha de Obama foi baseada na
premissa de que George W.
Bush tinha feito tudo errado,
tanto nas guerras do Iraque e
Afeganistão quanto em praticamente todos os aspectos da política doméstica, desde a saúde
à infraestrutura e à educação.
Antes do último trimestre de
2008, quando os americanos finalmente compreenderam a
extensão da crise financeira, a
campanha de Obama repisou
questões como os planos ambiciosos do candidato para garantir seguro médico universal.
E, quando a gravidade da situação econômica ficou clara
para todos -e eliminou qualquer a chance de John McCain
ser eleito-, a ênfase de Obama
passou a ser na promessa de
uma versão século 21 do New
Deal de Franklin D. Roosevelt.
Certamente nem Obama
nem ninguém de seu círculo
próximo parece ter imaginado
que a disputa Israel-Palestina
seria um foco central nos primeiros dias de sua Presidência.
Tirando sua ênfase em encerrar a guerra do Iraque e resgatar o esforço militar no Afeganistão, a campanha parecia,
se não muito pouco interessada, certamente não extremamente envolvida com questões
de política externa.
É verdade que o candidato
Obama fez as viagens esperadas dele à Europa e a Israel.
Mas essas viagens foram mais
uma maneira de tranquilizar
vários setores influentes do
eleitorado americano -a elite
de política externa, no caso da
Europa ocidental, e os eleitores
judeus e evangélicos, no caso de
Israel-, mostrando a eles que,
apesar de sua falta de experiência, suas credenciais em política externa eram mais do que
adequadas.
Reviravolta
O ataque de Israel à faixa de
Gaza mudou tudo isso. Pois será quase impossível o governo
Obama não ser confrontado
com algumas opções muito difíceis relativas à crise.
Se ela continuar a apoiar a
campanha israelense -que, se
prosseguir, certamente vai envolver baixas civis contínuas-,
acabará com qualquer possibilidade de virar a página em relação à resposta automática de
Bush a praticamente tudo o que
o governo israelense faça (com
a exceção, conforme veio à tona
recentemente, da proposta de
bombardear os reatores nucleares iranianos).
Mas, mesmo deixando de lado todas as questões ligadas ao
lobby israelense, o apoio a Israel nos EUA, embora hoje seja
menor do que era há uma geração, ainda é alto, de modo que
passar para uma abordagem
mais equitativa encerraria riscos políticos consideráveis.
Não há dúvida alguma que o
hábito de dar rédea livre a Israel é profundamente entranhado em Washington. E a decisão de Obama de nomear a
muito pró-Israel Hillary Clinton para o cargo de secretária
de Estado e o negociador do
presidente Bill Clinton para o
Oriente Médio, Dennis Ross,
como enviado especial a Israel
e à Palestina, sugere que é provável que a política americana
na região seja marcada por
mais continuidade do que previam ou queriam os defensores
mais embasbacados de Obama.
Isto dito, a não ser que os israelenses encerrem a ofensiva
nos próximos dias -ou seja,
nos últimos dias sob Bush-, a
equipe de Obama pode ter que
intervir, quer queira, quer não.
Pois o que começou como
uma expedição punitiva das
Forças Armadas israelenses já
se converteu numa operação
militar sem objetivo claro e alcançável. É por isso, pelo menos segundo a imprensa israelense, que são os políticos -sobretudo a chanceler Tzipi Livni- que estão prolongando a
campanha, passando por cima
de muitos oficiais graduados.
Do ponto de vista do novo governo americano, o prolongamento da campanha israelense
só poderá atrapalhar iniciativas
como as negociações renovadas
com o Irã, gestos de reconciliação com a Europa ocidental que
permitam promessas de mais
tropas europeias para o Afeganistão, e uma esforço maior para abafar o incêndio de antiamericanismo que arde no mundo islâmico.
A questão é se Obama vai assumir o risco político doméstico que acompanhará uma atitude menos complacente com
relação a Jerusalém.
Obama talvez sinta que já está arriscando o suficiente com
sua aposta de que enormes gastos deficitários conseguirão recolocar nos eixos a economia.
Mas, se sua atitude quanto a Israel-Palestina for "business as
usual", o preço disso provavelmente será uma deterioração
maior ainda da posição americana no mundo islâmico -não
exatamente o que a equipe de
Obama deve estar desejando.
DAVID RIEFF é membro do Instituto Mundial de
Polícia e do Council on Foreign Relations, e autor, entre outros, de "Goin to Miami". Este artigo foi distribuído pela The Wylie Agency.
Tradução de CLARA ALLAIN
Folha Online
Veja animação sobre a
história dos conflitos
entre palestinos e
israelenses
www.folha.com.br/090159
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