São Paulo, sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

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ARTIGO

A crise externa que Obama não esperava

Pouco voltado à questão israelo-palestina até agora, presidente eleito dos EUA pode pagar caro se mantiver abordagem de antecessores

DAVID RIEFF

Há um trecho em um romance de P.G. Wodehouse em que o protagonista observa que "em algum ponto lá atrás, o destino forrava a luva de boxe com chumbo". Conheça esse trecho ou não, o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, deve estar sentindo algo parecido: a sensação de ter sido emboscado pela única crise que ele e seus assessores não parecem ter previsto que teriam que enfrentar logo ao assumir o poder.
Isso não significa que eles esperavam que tudo fosse tranquilo. Pelo contrário: a campanha de Obama foi baseada na premissa de que George W. Bush tinha feito tudo errado, tanto nas guerras do Iraque e Afeganistão quanto em praticamente todos os aspectos da política doméstica, desde a saúde à infraestrutura e à educação.
Antes do último trimestre de 2008, quando os americanos finalmente compreenderam a extensão da crise financeira, a campanha de Obama repisou questões como os planos ambiciosos do candidato para garantir seguro médico universal.
E, quando a gravidade da situação econômica ficou clara para todos -e eliminou qualquer a chance de John McCain ser eleito-, a ênfase de Obama passou a ser na promessa de uma versão século 21 do New Deal de Franklin D. Roosevelt.
Certamente nem Obama nem ninguém de seu círculo próximo parece ter imaginado que a disputa Israel-Palestina seria um foco central nos primeiros dias de sua Presidência.
Tirando sua ênfase em encerrar a guerra do Iraque e resgatar o esforço militar no Afeganistão, a campanha parecia, se não muito pouco interessada, certamente não extremamente envolvida com questões de política externa. É verdade que o candidato Obama fez as viagens esperadas dele à Europa e a Israel.
Mas essas viagens foram mais uma maneira de tranquilizar vários setores influentes do eleitorado americano -a elite de política externa, no caso da Europa ocidental, e os eleitores judeus e evangélicos, no caso de Israel-, mostrando a eles que, apesar de sua falta de experiência, suas credenciais em política externa eram mais do que adequadas.

Reviravolta
O ataque de Israel à faixa de Gaza mudou tudo isso. Pois será quase impossível o governo Obama não ser confrontado com algumas opções muito difíceis relativas à crise. Se ela continuar a apoiar a campanha israelense -que, se prosseguir, certamente vai envolver baixas civis contínuas-, acabará com qualquer possibilidade de virar a página em relação à resposta automática de Bush a praticamente tudo o que o governo israelense faça (com a exceção, conforme veio à tona recentemente, da proposta de bombardear os reatores nucleares iranianos).
Mas, mesmo deixando de lado todas as questões ligadas ao lobby israelense, o apoio a Israel nos EUA, embora hoje seja menor do que era há uma geração, ainda é alto, de modo que passar para uma abordagem mais equitativa encerraria riscos políticos consideráveis.
Não há dúvida alguma que o hábito de dar rédea livre a Israel é profundamente entranhado em Washington. E a decisão de Obama de nomear a muito pró-Israel Hillary Clinton para o cargo de secretária de Estado e o negociador do presidente Bill Clinton para o Oriente Médio, Dennis Ross, como enviado especial a Israel e à Palestina, sugere que é provável que a política americana na região seja marcada por mais continuidade do que previam ou queriam os defensores mais embasbacados de Obama. Isto dito, a não ser que os israelenses encerrem a ofensiva nos próximos dias -ou seja, nos últimos dias sob Bush-, a equipe de Obama pode ter que intervir, quer queira, quer não.
Pois o que começou como uma expedição punitiva das Forças Armadas israelenses já se converteu numa operação militar sem objetivo claro e alcançável. É por isso, pelo menos segundo a imprensa israelense, que são os políticos -sobretudo a chanceler Tzipi Livni- que estão prolongando a campanha, passando por cima de muitos oficiais graduados.
Do ponto de vista do novo governo americano, o prolongamento da campanha israelense só poderá atrapalhar iniciativas como as negociações renovadas com o Irã, gestos de reconciliação com a Europa ocidental que permitam promessas de mais tropas europeias para o Afeganistão, e uma esforço maior para abafar o incêndio de antiamericanismo que arde no mundo islâmico.
A questão é se Obama vai assumir o risco político doméstico que acompanhará uma atitude menos complacente com relação a Jerusalém.
Obama talvez sinta que já está arriscando o suficiente com sua aposta de que enormes gastos deficitários conseguirão recolocar nos eixos a economia.
Mas, se sua atitude quanto a Israel-Palestina for "business as usual", o preço disso provavelmente será uma deterioração maior ainda da posição americana no mundo islâmico -não exatamente o que a equipe de Obama deve estar desejando.

DAVID RIEFF é membro do Instituto Mundial de Polícia e do Council on Foreign Relations, e autor, entre outros, de "Goin to Miami". Este artigo foi distribuído pela The Wylie Agency.

Tradução de CLARA ALLAIN

Folha Online
Veja animação sobre a história dos conflitos entre palestinos e israelenses
www.folha.com.br/090159

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