São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Nas ruas, sobreviventes lutam por comida

Haitianos reviram escombros de prédios destruídos pelo terremoto atrás de feridos, alimentos e o que mais puderem vender

Nas áreas mais afetadas de Porto Príncipe, uma calma tensa e aparente pode, de uma hora para outra, descambar para violência


Carlos Barría/Reuters
Haitianos saqueiam produtos de loja destruída após o terremoto, em Porto Príncipe

JANAINA LAGE
CAIO GUATELLI
ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO PRÍNCIPE

Primeiro foram os corpos espalhados pelas ruas. Agora são as disputas por alimento. Três dias depois do terremoto que destruiu a capital do Haiti, a parte mais afetada da cidade se transformou em uma imensa área de desmanche.
Na avenida Jean-Jacques Dessalines, que leva o nome do ícone do nacionalismo haitiano, dezenas de homens, mulheres e crianças disputavam comida, água e artigos de limpeza nos escombros das lojas que existiam antes do terremoto.
Na manhã de ontem um pequeno grupo de policiais tentava manter a ordem na região. Mas eram poucos para conter a multidão. O maior supermercado da cidade ruiu e, até agora há mortos nos escombros. Uma mulher diz que sua irmã está soterrada e ainda viva, mas tem certeza de que não resistirá -não terá ajuda a tempo.
Do lado de fora ainda é possível ver corpos soterrados.
Neste momento, uma briga explode na loja ao lado. Um homem com uma faca de cortar cana e outros com paus e pás disputam os produtos encontrados em meio aos escombros. Há uma debandada, mas em poucos minutos a situação volta à normalidade.
Esta é a situação nas áreas mais afetadas: uma tensa calma aparente, que pode rapidamente dar lugar à violência.
Um dos policiais explica que as pessoas preferem se arriscar sob os escombros e invadir as lojas em busca de algo que possa ser vendido. "Precisamos impedir a confusão." Durante a manhã, a reportagem ouviu tiros no local, mas é impossível saber de onde partiram.
Em áreas próximas ao aeroporto, os estrangeiros são abordados por pedintes que, famintos, buscam centavos. Eles não usam violência, mas o tamanho dos grupos causa apreensão.
Na frente de um hotel, um grupo de homens começa a arrancar esquadrias de alumínio, vergalhões, ferro e até mesmo um vaso sanitário, tudo que puder ser comercializado depois. Outros arrancam um por um os pneus de um carro abandonado. Das lojas destruídas, as pessoas levam o que dá: roupas, sapatos, móveis e eletrônicos.
Mesmo nos locais que sofreram danos menores, ainda é possível sentir os efeitos do terremoto. No bairro de Cité Soleil, um dos mais pobres e populosos da cidade, os casebres não foram derrubados, mas falta água e as pessoas não têm como comprar comida.
A distribuição de água na região é racionada e cada mulher só tem direito a um balde. Um grupo delas diz à reportagem que não consegue água há dois dias. Uma das vendedoras de frutas explica que precisa aumentar os preços, mas que desde o terremoto ninguém mais tem dinheiro para comprar.
Em grandes regiões descampadas, famílias começam a construir tendas em frente aos restos das casas pobres. Todos tentam compartilhar suas histórias em busca de ajuda das autoridades. Um homem chamado Rochelle procura a reportagem para pedir ajuda. Diz que perdeu quatro filhos no terremoto, só conseguiu resgatar os corpos de dois. Ele construía uma tenda a uma pequena distância do local onde ficava sua casa. Questionado se não gostaria de se mudar para outra região, responde: "Não há outro lugar para ir. Ninguém veio ajudar. Resta encontrar o corpo dos meus filhos".
A ajuda, no entanto, já começava aparecer na cidade. No começo da tarde de ontem, oficiais distribuíam comida enviada pelo governo da Bolívia.


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