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HAITI EM RUÍNAS
Em hospital improvisado, amputação é sem anestesia
Aumento da capacidade médica é uma das maiores prioridades na capital
Oito hospitais ruíram em terremoto, segundo OMS; estima-se que dezenas
de profissionais de saúde tenham morrido soterrados
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
(HAITI)
Três dias depois do terremoto que deixou dezenas de milhares de feridos, o atendimento médico continua caótico em
Porto Príncipe. No Hospital
Universitário, um dos poucos
que não desabaram, há amputações sem anestesia e cadáveres abandonados. Falta energia, e os corredores, salas e pátios estão superlotados.
"São as piores condições sanitárias que já vi", diz o médico
anestesista espanhol Alberto
Lafuente, 37, com a experiência
de seis missões de emergência
em países como Paquistão e
Afeganistão. "Não há recursos,
já é um país pobre por si. É como começar do zero."
O aumento da capacidade
médica é uma das maiores prioridades em Porto Príncipe, que
perdeu oito hospitais com o
terremoto, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS). Estima-se que dezenas
de médicos e outros profissionais da saúde tenham morrido
trabalhando.
Bélgica e Cuba estão entre os
países que já instalaram unidades de atendimento no país. Os
cubanos vieram com três missões, enquanto os belgas montaram um hospital de campanha ao lado do Hospital Universitário. O Brasil e os Estados
Unidos também estão enviando médicos e equipamentos.
Nos hospitais que ficaram de
pé, não cabe mais ninguém,
mas não para de chegar gente.
No pátio de entrada do hospital, os corpos de uma mulher e
de uma criança estavam a poucos metros de tendas com pacientes em estado menos grave
e acompanhantes. Outros dois
corpos estavam no asfalto da
avenida de entrada, cobertos
por um plástico branco.
O acesso ao prédio é controlado por seguranças, que barravam várias pessoas feridas em
estado menos grave. Do lado de
dentro, o escuro corredor estava lotado de feridos, alguns nus,
outros inconscientes, vários
em estado grave.
Lafuente conta que a missão
espanhola chegou na quarta de
manhã, poucas horas depois do
terremoto, ocorrido na tarde
do dia anterior. O trabalho no
hospital é dividido com cubanos, venezuelanos e chilenos.
As principais ocorrências são
traumatismo de todo tipo, com
vários casos em que é necessário amputar. Lafuente diz que,
nos dois primeiros dias, quase
todas as amputações foram feitas sem anestesia, por falta de
medicamento.
A situação melhorou um
pouco ontem, com a chegada de
mais material e a instalação de
duas mesas cirúrgicas. O médico espanhol já havia participado de 30 cirurgias desde o início
da manhã até as 11h, quando falou com a reportagem da Folha, numa breve pausa.
A improvisação inclui até o
pessoal. A arquiteta cubana
Marta Lopes, que estava no
país construindo unidades médicas e agora trabalha de enfermeira no Hospital Universitário, mesmo sem nenhum treinamento prévio.
Minutos antes, foi ela quem
deu as primeiras atenções a um
menino de quatro anos. De nome Nixon, ele fora resgatado às
10h por vizinhos de dentro de
sua casa, no setor Delmas 32.
Estava consciente, mas em estado de choque.
"O corpo do pai estava em cima dele", disse um dos três vizinhos que o resgataram. "Mas a
sua mãe e seus irmãos estão desaparecidos, ele não tem ninguém, ninguém."
Em volta da criança, dezenas
de outros pacientes eram atendidos, em meio ao mau cheiro,
gritos de dor e rezas.
Por falta de recolhimento, os
que morrem no hospital são levados a um quarto à parte. Segundo Lafuente, não há risco
higiênico. "Os corpos não provocam epidemia, isso é um mito, a não ser que estejam sobre
uma fonte de água. As nossas
preocupações são outras."
Para o espanhol, o pior ainda
está por vir. "Não sei como essas pessoas vão superar isso depois do fim da ajuda internacional. Porque nós sempre ficamos só um pouquinho."
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