São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Em hospital improvisado, amputação é sem anestesia

Aumento da capacidade médica é uma das maiores prioridades na capital

Oito hospitais ruíram em terremoto, segundo OMS; estima-se que dezenas de profissionais de saúde tenham morrido soterrados


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE (HAITI)

Três dias depois do terremoto que deixou dezenas de milhares de feridos, o atendimento médico continua caótico em Porto Príncipe. No Hospital Universitário, um dos poucos que não desabaram, há amputações sem anestesia e cadáveres abandonados. Falta energia, e os corredores, salas e pátios estão superlotados.
"São as piores condições sanitárias que já vi", diz o médico anestesista espanhol Alberto Lafuente, 37, com a experiência de seis missões de emergência em países como Paquistão e Afeganistão. "Não há recursos, já é um país pobre por si. É como começar do zero."
O aumento da capacidade médica é uma das maiores prioridades em Porto Príncipe, que perdeu oito hospitais com o terremoto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que dezenas de médicos e outros profissionais da saúde tenham morrido trabalhando.
Bélgica e Cuba estão entre os países que já instalaram unidades de atendimento no país. Os cubanos vieram com três missões, enquanto os belgas montaram um hospital de campanha ao lado do Hospital Universitário. O Brasil e os Estados Unidos também estão enviando médicos e equipamentos.
Nos hospitais que ficaram de pé, não cabe mais ninguém, mas não para de chegar gente. No pátio de entrada do hospital, os corpos de uma mulher e de uma criança estavam a poucos metros de tendas com pacientes em estado menos grave e acompanhantes. Outros dois corpos estavam no asfalto da avenida de entrada, cobertos por um plástico branco.
O acesso ao prédio é controlado por seguranças, que barravam várias pessoas feridas em estado menos grave. Do lado de dentro, o escuro corredor estava lotado de feridos, alguns nus, outros inconscientes, vários em estado grave.
Lafuente conta que a missão espanhola chegou na quarta de manhã, poucas horas depois do terremoto, ocorrido na tarde do dia anterior. O trabalho no hospital é dividido com cubanos, venezuelanos e chilenos.
As principais ocorrências são traumatismo de todo tipo, com vários casos em que é necessário amputar. Lafuente diz que, nos dois primeiros dias, quase todas as amputações foram feitas sem anestesia, por falta de medicamento.
A situação melhorou um pouco ontem, com a chegada de mais material e a instalação de duas mesas cirúrgicas. O médico espanhol já havia participado de 30 cirurgias desde o início da manhã até as 11h, quando falou com a reportagem da Folha, numa breve pausa.
A improvisação inclui até o pessoal. A arquiteta cubana Marta Lopes, que estava no país construindo unidades médicas e agora trabalha de enfermeira no Hospital Universitário, mesmo sem nenhum treinamento prévio.
Minutos antes, foi ela quem deu as primeiras atenções a um menino de quatro anos. De nome Nixon, ele fora resgatado às 10h por vizinhos de dentro de sua casa, no setor Delmas 32. Estava consciente, mas em estado de choque.
"O corpo do pai estava em cima dele", disse um dos três vizinhos que o resgataram. "Mas a sua mãe e seus irmãos estão desaparecidos, ele não tem ninguém, ninguém."
Em volta da criança, dezenas de outros pacientes eram atendidos, em meio ao mau cheiro, gritos de dor e rezas.
Por falta de recolhimento, os que morrem no hospital são levados a um quarto à parte. Segundo Lafuente, não há risco higiênico. "Os corpos não provocam epidemia, isso é um mito, a não ser que estejam sobre uma fonte de água. As nossas preocupações são outras."
Para o espanhol, o pior ainda está por vir. "Não sei como essas pessoas vão superar isso depois do fim da ajuda internacional. Porque nós sempre ficamos só um pouquinho."


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