São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Resgatados feridos, 16 brasileiros chegam a SP

Dois militares em estado menos grave ficaram no Haiti por achar que sua condição não lhes impedia de continuar ajudando

Grupo ficará de quarentena, passará por análises clínica e psicológica e terá alta em quatro dias se não houver necessidade de internação


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Passava das 13h quando militares brasileiros feridos no terremoto do Haiti começaram a descer em fila do avião da Força Aérea Brasileira estacionado na Base Aérea de Cumbica.
No cortejo silencioso e solene até o ônibus que os levaria para o hospital militar de São Paulo, viam-se mãos imobilizadas em tipoias, um com ataduras na cabeça, outros nas pernas e pés; dois tiveram de ser transportados em cadeiras de rodas, como o 3º sargento Tareck Souza de Pontes (ele levava sobre as pernas uma bandeira brasileira dobrada). Também saíram do avião duas macas com soldados -tiveram de ser levados em ambulâncias.
O grupo de 16 militares feridos foi o primeiro a voltar ao Brasil depois do sismo. A lista de nomes que chegou a ser distribuída aos jornalistas na Base Aérea tinha 18 nomes. Faltavam dois -o tenente coronel Antonio Carlos Pereira de Novaes e o fuzileiro Mario Ubiratan Ferreira. Mas eles não quiseram embarcar. Acharam que seus ferimentos não os impediam de continuar. Ficaram no Haiti para ajudar.
O escolhido para falar por todos os recém-chegados foi o cabo Carlos Michael Pimentel de Almeida, 23, do 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena. No momento do terremoto, ele era um dos 14 militares que ocupavam o prédio conhecido como Ponto Forte 22, ou "Casa Azul", na capital do Haiti, Porto Príncipe. Trata-se de um local-símbolo para as tropas. Foi lá, bem perto da entrada da favela de Cité Soleil, que, em 2007, a força de paz da ONU, sob o comando do Brasil, derrotou em batalha grupos de traficantes que aterrorizavam a cidade.
Com três pavimentos, sacos de areia na entrada servindo de barricada, ninho de metralhadoras no segundo piso e um grande dormitório no andar superior, a "Casa Azul" conservava até agora como troféu de guerra as centenas de marcas de tiros que recebeu naquelas jornadas. Tudo isso desabou.
O cabo Michael dormia na parte mais alta de um beliche quando a laje caiu sobre o quarto. Por sorte, bem em cima da cama do militar, o concreto teve uma fratura. Seus colegas de quarto foram esmagados; ele conseguiu sair. Logo depois, desmoronou tudo. "Pensei que fosse um atentado, uma bomba", afirmou.
Fora, "estava tudo caindo, gente pedindo socorro". Dos 14 homens que ocupavam a "Casa Azul" naquele momento, só ele e outro militar conseguiram sair -sete teriam morrido imediatamente; os demais seriam resgatados nos trabalhos de busca. "Fomos cada um para um lado, procurando por socorro, porque sozinhos não conseguiríamos levantar os escombros para salvar os companheiros." Eles também foram em busca de reforço para fazer a segurança do perímetro do batalhão. "Já estava rodeando de haitiano, procurando fuzil lá, querendo pegar fuzil lá. Mas não teve como pegar nada, porque a laje soterrou tudo."
O cabo mostrou machucados na cabeça, causados pelo desabamento da laje. Com os olhos marejados, mas contido, ele disse que faz questão de procurar os familiares dos amigos que morreram para levar sua solidariedade. "Até agora não consegui entender o que aconteceu. Por que eu sobrevivi."
Todos os militares que voltaram do Haiti deverão cumprir um período de quarentena, em que receberão avaliação psicológica e clínica. Se não houver necessidade de hospitalização, em três ou quatro dias poderão sair. Mas há os que precisarão de cuidados mais demorados.
Ontem, Fabio Antonio Salvatore Pesaresi, 49, pai do cabo Eugenio Pesaresi Neto, 21, estava "tão feliz, mas tão feliz" ("Eu achava que nunca mais ia ver o meu filho"), que lavava o rosto de lágrimas. "Te amo, pai", foi a primeira coisa que o recém-chegado disse. O cabo Eugenio esmagou o dedo anular da mão direita. Não será dos primeiros a sair do hospital, porque se submeterá a uma cirurgia de reconstituição do dedo. "Ficou só no osso", ele relatou ao pai. "Tudo bem, meu filho, tudo bem. Você está aqui", tranquilizou-o o pai.


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