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COMENTÁRIO
Bagunça vence participação
DA REPORTAGEM LOCAL
A Minustah tinha três grandes
recorrências históricas a evitar
durante as eleições haitianas. A
primeira delas, bem cumprida, foi
assegurar que episódios de violência política não voltassem a se
repetir. Decorrente disso, os haitianos apostaram na democracia
e encheram os centros de votação,
mesmo o voto não sendo obrigatório. Mas a promessa dos organizadores de assegurar eleições
transparentes, que levassem a um
resultado incontestável, falhou
fragorosamente.
Durante o dia das eleições, a reportagem da Folha esteve nas regiões de Cité Soleil e Bel Air durante a parte da manhã e testemunhou os tumultos provocados pelo atraso na abertura das urnas.
Num dos centros eleitorais perto de Cité Soleil -imensa favela
que concentra cerca de 250 mil
moradores-, as salas de votação
foram invadidas por milhares de
eleitores, enquanto deficientes físicos, mulheres grávidas, crianças
e idosos se abrigavam da multidão enfurecida.
Nas cabines, onde a norma previa um eleitor de cada vez, dezenas pegavam as cédulas ao mesmo tempo e votavam na frente de
todos, sem sigilo nenhum. Os
funcionários eleitorais, assustados, mal preparados e com o pagamento atrasado, mais obedeciam do que comandavam.
Já em Bel Air, os militares brasileiros -os quais, é bom ressaltar,
cuidaram das regiões mais difíceis
e contribuíram para evitar um desastre- tiveram de usar tiros de
festim e gás lacrimogêneo para
evitar a invasão de eleitores.
A confusão testemunhada pela
reportagem coincide com relatórios de observadores nacionais e
internacionais. A União Européia, por exemplo, disse que o
Conselho Eleitoral Provisório haitiano (CEP) "não possuía a capacidade administrativa e organizacional necessária para conduzir as
eleições" e criticou a falta de coordenação com a ONU e a OEA.
Logo após a eleição, o que os observadores internacionais, a Minustah e vários diplomatas esperavam -de dedos cruzados-
era que o comparecimento histórico e o favoritismo do ex-presidente René Préval assegurassem a
ele uma ampla vitória. Isso compensaria a bagunça da organização e evitaria a contestação nas
ruas. Para alguns analistas, como
é no Haiti, vale quase tudo.
Já houve candidatos que reclamaram na semana passada. O
empresário "Charlito" Baker, o
terceiro mais votado e favorito da
elite haitiana, disse que houve casos de pessoas que votaram até 20
vezes e reclamou, com certa razão, que, se os mesmos problemas
tivessem ocorrido em outros países, as eleições teriam sido anuladas. Suas declarações, no entanto,
tiveram pouco eco. Branco, ele teve meros 8% dos votos, e sua capacidade de mobilização é zero.
Como se vê desde sábado, algo
totalmente distinto é a contestação vir do lado de Préval, que catalisou o apoio da imensa massa
pobre de Porto Príncipe, antes
partidária do ex-presidente populista Jean-Bertrand Aristide. Na
segunda-feira, seus apoiadores
paralisaram a capital, expondo as
tropas da ONU, sobretudo as brasileiras, a várias situações de risco.
Humilhados cotidianamente
pela fome e pelo desemprego, os
eleitores de Préval foram novamente rebaixados a animais nos
postos de votação de Cité Soleil e
Bel Air. Agora, estão nas ruas gritando "magouille" (algo como
maracutaia) e exigem a vitória no
primeiro turno de Préval, que recebeu 48% dos votos válidos.
As eleições haitianas foram
adiadas quatro vezes, em parte
devido ao péssimo relacionamento entre o CEP, de um lado, e a
ONU e a OEA, do outro, e era naquele momento em que a comunidade internacional deveria ter
intercedido com mais vigor, assumindo tarefas que estavam sendo
mal executadas pelos haitianos.
Com o impasse atual, está claro
que o caos venceu o comparecimento, e salvar a eleição de 7 de
fevereiro está cada vez mais difícil.
É plausível que tenha havido fraudes, mas, dada a confusão nos
centros de votação, é impossível
dizer onde começa a falta de preparo e começa a má-fé.
A proposta de costurar a declaração da vitória de Préval no primeiro turno, se aceita, evitará que
seus partidários vão às ruas e exponham os militares brasileiros a
mais riscos -algo que o Planalto
não quer, sobretudo em ano eleitoral. Mas, pelo lado haitiano, é
uma incógnita saber se conduzirá
o país à governabilidade. Ao invés
de diminuir, até agora a crise política haitiana -motivo da criação
da força de paz da ONU, há quase
dois anos- só aumentou com as
eleições.
(FABIANO MAISONNAVE)
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