São Paulo, sábado, 16 de fevereiro de 2008

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Crescimento recente contrasta com pobreza e renda baixa

DO ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

Três coisas saltam aos olhos de um visitante no Paquistão, e elas ocorrem nos primeiros 60 minutos de sua estadia.
Primeiro, a pobreza generalizada. A miséria atinge níveis subsaarianos, e mesmo as áreas mais ricas de cidades como Islamabad não conseguem escapar dos sinais exteriores da pobreza: casas incompletas, crianças na rua, sujeira.
Segundo, nessa primeira hora, o visitante terá experimentado pelo menos um corte de energia. O país vive um grave apagão, e não há região isenta. A capital, em tese favorecida na divisão do bolo energético, tem uma rotina de vaga-lume, e os hotéis mantêm geradores ligados o tempo todo.
Por fim, se você travou contato com um paquistanês em sua chegada, ouvirá queixa sobre o preço do pão. Não é para menos: uma folha de pão passou de 2,5 rúpias (R$ 0,07) para 4 rúpias (R$ 0,11). Parece pouco, mas esse é um país com renda per capita anual de pouco mais que R$ 1.570.
Isso tudo faz contraste a números macroeconômicos decentes da era Musharraf no poder. Quando o general tomou o poder em 1999, o Paquistão crescia a brasileiríssimos 4%. Depois de bater em chineses 8,6% em 2005, caiu para generosos 7% no ano passado.
"Os números são bons, mas mostram algo que já passou. Agora temos vários problemas estruturais, a começar pela inflação", diz o economista A. R. Kamal, que foi presidente do Instituto Paquistanês de Economia e hoje é consultor.

Pão caro
A inflação havia caído no começo do governo Musharraf, só para dar um repique e estabilizar em 7% ano passado. Mas a primeira medição do índice de preços ao consumidor em janeiro já indica uma cifra anualizada acima de 11%.
Os motivos residem numa crise bizarra: para melhorar os indicadores no balanço de pagamentos, e animado por uma colheita farta, o governo incentivou os produtores de trigo a exportar 1 milhão de toneladas a mais no ano passado.
"O governo cometeu um erro brutal e foi forçado a proibir a exportação. Com isso, o que aconteceu foi um aumento do contrabando de trigo via Afeganistão, e o preço continuou subindo. Hoje o quilo do produto está em 25 rúpias, contra 15 antes da crise. Inflação é conseqüência, mas o preço da energia é culpado também", afirma o comentarista econômico Mohammed Iqbal.
No ano passado, o governo subiu os preços do petróleo e da eletricidade, visando acompanhar os custos internacionais. Mas o apagão que o país vive se intensificou, ampliando ainda mais a irritação dos locais.
"Energia cara e inexistente. Pior combinação possível. O governo negligenciou a geração e transmissão, e o resultado está aí: crescemos quase 9% há alguns anos, a produção industrial acompanhou o ritmo, mas o país parou", diz Kamal, que, tirando as cifras, poderia estar falando do Brasil de 2000, ou de 2010.
Preocupado com as pressões, o BC prometeu reduzir o suprimento de dinheiro ao mercado em 13% ano passado, mas o crédito público acelerado elevou a taxa a 19%, o que fez o órgão buscar medidas monetárias ortodoxas -também conhecidas dos brasileiros. Em português: subiu os juros.
Há pouco mais de duas semanas, o Banco Estatal do Paquistão subiu a taxa de juros em meio ponto, para 9,5%, o primeiro aumento em 15 meses.
Enquanto isso, a miséria grassa em um Estado com algumas características feudais. A distribuição de renda até melhorou, com os 20% mais pobres abocanhando 12,3% da renda familiar do país em 2007, contra 9,7% em 2002. Mas ainda é longe dos 36% da renda na mão dos 20% mais ricos.
A taxa de mortalidade infantil é altíssima, 76,7 por mil nascidos -o Brasil tem 19 por mil. E, segundo estimativa de Kamal, 2% da população retém 50% das terras, gerando um ciclo de dependência entre trabalhadores e seus "senhores feudais" que está adiando a entrada do agronegócio produtivo no país. "São trevas", diz ele.
Se isso só não explica, ajuda muito a entender a insatisfação que se nota de forma subjetiva nas ruas do país. (I.G.)


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