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Crescimento recente contrasta com pobreza e renda baixa
DO ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD
Três coisas saltam aos olhos
de um visitante no Paquistão, e
elas ocorrem nos primeiros 60
minutos de sua estadia.
Primeiro, a pobreza generalizada. A miséria atinge níveis
subsaarianos, e mesmo as áreas
mais ricas de cidades como Islamabad não conseguem escapar dos sinais exteriores da pobreza: casas incompletas,
crianças na rua, sujeira.
Segundo, nessa primeira hora, o visitante terá experimentado pelo menos um corte de
energia. O país vive um grave
apagão, e não há região isenta.
A capital, em tese favorecida na
divisão do bolo energético, tem
uma rotina de vaga-lume, e os
hotéis mantêm geradores ligados o tempo todo.
Por fim, se você travou contato com um paquistanês em
sua chegada, ouvirá queixa sobre o preço do pão. Não é para
menos: uma folha de pão passou de 2,5 rúpias (R$ 0,07) para
4 rúpias (R$ 0,11). Parece pouco, mas esse é um país com renda per capita anual de pouco
mais que R$ 1.570.
Isso tudo faz contraste a números macroeconômicos decentes da era Musharraf no poder. Quando o general tomou o
poder em 1999, o Paquistão
crescia a brasileiríssimos 4%.
Depois de bater em chineses
8,6% em 2005, caiu para generosos 7% no ano passado.
"Os números são bons, mas
mostram algo que já passou.
Agora temos vários problemas
estruturais, a começar pela inflação", diz o economista A. R.
Kamal, que foi presidente do
Instituto Paquistanês de Economia e hoje é consultor.
Pão caro
A inflação havia caído no começo do governo Musharraf, só
para dar um repique e estabilizar em 7% ano passado. Mas a
primeira medição do índice de
preços ao consumidor em janeiro já indica uma cifra anualizada acima de 11%.
Os motivos residem numa
crise bizarra: para melhorar os
indicadores no balanço de pagamentos, e animado por uma
colheita farta, o governo incentivou os produtores de trigo a
exportar 1 milhão de toneladas
a mais no ano passado.
"O governo cometeu um erro
brutal e foi forçado a proibir a
exportação. Com isso, o que
aconteceu foi um aumento do
contrabando de trigo via Afeganistão, e o preço continuou subindo. Hoje o quilo do produto
está em 25 rúpias, contra 15 antes da crise. Inflação é conseqüência, mas o preço da energia
é culpado também", afirma o
comentarista econômico Mohammed Iqbal.
No ano passado, o governo
subiu os preços do petróleo e da
eletricidade, visando acompanhar os custos internacionais.
Mas o apagão que o país vive se
intensificou, ampliando ainda
mais a irritação dos locais.
"Energia cara e inexistente.
Pior combinação possível. O
governo negligenciou a geração
e transmissão, e o resultado está aí: crescemos quase 9% há alguns anos, a produção industrial acompanhou o ritmo, mas
o país parou", diz Kamal, que,
tirando as cifras, poderia estar
falando do Brasil de 2000, ou
de 2010.
Preocupado com as pressões,
o BC prometeu reduzir o suprimento de dinheiro ao mercado
em 13% ano passado, mas o crédito público acelerado elevou a
taxa a 19%, o que fez o órgão
buscar medidas monetárias ortodoxas -também conhecidas
dos brasileiros. Em português:
subiu os juros.
Há pouco mais de duas semanas, o Banco Estatal do Paquistão subiu a taxa de juros em
meio ponto, para 9,5%, o primeiro aumento em 15 meses.
Enquanto isso, a miséria
grassa em um Estado com algumas características feudais. A
distribuição de renda até melhorou, com os 20% mais pobres abocanhando 12,3% da
renda familiar do país em 2007,
contra 9,7% em 2002. Mas ainda é longe dos 36% da renda na
mão dos 20% mais ricos.
A taxa de mortalidade infantil é altíssima, 76,7 por mil nascidos -o Brasil tem 19 por mil.
E, segundo estimativa de Kamal, 2% da população retém
50% das terras, gerando um ciclo de dependência entre trabalhadores e seus "senhores feudais" que está adiando a entrada do agronegócio produtivo no
país. "São trevas", diz ele.
Se isso só não explica, ajuda
muito a entender a insatisfação
que se nota de forma subjetiva
nas ruas do país.
(I.G.)
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