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ENTREVISTA DA 2ª
MARC JACQUEMAIN
SOCIÓLOGO
Crise acentua o risco de xenofobia europeia aumentar
Para estudioso, demissões em massa devem inflar aversão a estrangeiros já alimentada por sensação de declínio europeu e "guerra ao terror"
Anna Gowthorpe-30.jan.09/PA Wire/ Associated Press
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Operários britânicos protestam contra a contratação de portugueses e italianos para a construção de uma refinaria em Lindsey; manifestações se disseminaram
APÓS ANOS de marasmo econômico, a Europa mergulha numa onda de demissões
propalada pela desaceleração econômica que ameaça atiçar a velha aversão de
alguns setores por estrangeiros. Especialista em xenofobia, o sociólogo belga Marc Jacquemain diz ser
cedo para avaliar se a crise agravou o quadro. Mas o
sentimento de declínio das nações europeias somado à propagação de ideias populistas sob tal cenário,
alerta, torna provável o acirramento do racismo.
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Meses antes do início da crise
econômica mundial, em setembro, o premiê italiano, Silvio
Berlusconi, já lançava seu pacote anti-imigração. Sob pressão
do Vaticano, a criminalização
dos clandestinos foi engavetada, mas o estado de emergência
decretado nacionalmente por
"excesso de imigrantes" e o
censo dos ciganos, qualificado
de "racista" pela União Europeia (UE), emplacaram.
As iniciativas, resposta à parcela da opinião pública que
considera os estrangeiros responsáveis pela alta da criminalidade, surgiam num cenário
europeu marcado pela proliferação de governos dominados
ou integrados por partidos de
extrema-direita.
A virulência e a banalização
dos discursos xenófobos, impulsionadas pelo desemprego e
a queda do poder de compra,
contaminaram até legendas
historicamente moderadas em
termos de imigração.
O acirramento da tensão se
traduziu em violência. Segundo
dados oficiais, houve aumento
de denúncias de agressões raciais em pelo menos oito países
da UE desde o 11 de Setembro.
A profunda crise econômica
deflagrada nos EUA coincide
agora com novos reflexos ultranacionalistas. Trabalhadores
de uma refinaria de petróleo do
Reino Unido fizeram greve
contra a admissão de empregados estrangeiros, e imigrantes
romenos foram trocados por
ingleses nas obras para as
Olimpíadas de Londres (2012).
Já Berlusconi tenta mudar a
lei para permitir que médicos
possam delatar a autoridades
policiais pacientes estrangeiros
em situação irregular na Itália.
À Folha, por telefone, o sociólogo Jacquemain disse temer que alguns países acabem
dando as costas ao mundo e
afirmou que a "rejeição do diferente" é inerente à natureza
humana. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
FOLHA - A xenofobia está em alta
na Europa?
MARC JACQUEMAIN - Parece-me
precipitado dizer que a xenofobia está aumentando. Não há
evidência estatística. Concretamente, o que temos são fenômenos políticos que correm o
risco de acirrá-la. Um exemplo
é o discurso sobre a "preferência nacional", que tem se disseminado e agora norteia até os
partidos de direita clássica.
Nicolas Sarkozy se elegeu à
Presidência da França em 2007
com uma plataforma repleta de
ideias inspiradas na extrema
direita, apesar de ele mesmo
não ser um xenófobo. Na Itália,
Silvio Berlusconi, cuja base
eleitoral, diga-se de passagem,
se restringe em grande parte ao
norte do país, defende abertamente ideias populistas e governa com apoio da Liga Norte,
partido com valores xenófobos.
Nesse contexto, a posição em
relação à imigração acabou se
tornando uma linha de demarcação clara entre esquerda e direita na Europa. E, como há
uma direitização da cena política europeia, é possível que aumente a busca por bodes expiatórios imigrantes.
Esse fenômeno ocorre mesmo dentro da Europa, onde estamos longe de aceitarmos uns
aos outros. Poloneses e romenos são mal vistos na Alemanha
e em Portugal. Os europeus
têm dificuldades até entre si.
FOLHA - De onde vem tamanho
medo dos imigrantes?
JACQUEMAIN - Não dá para saber
o que passa pela cabeça das pessoas. Em todo caso, há uma clara expressão da xenofobia no
plano político. Ela tende a se
generalizar, mas se manifesta
com destaque maior nas regiões mais ricas da Europa
-Holanda, Áustria, Suíça, Noruega, norte da Itália...
O fenômeno surge principalmente de parte da classe média,
que viveu por décadas em situação privilegiada e hoje se
sente fragilizada em relação à
globalização. Os pais sabem
que seus filhos enfrentarão um
cenário com muito mais dificuldade do que eles.
Apontar para o imigrante como bode expiatório foi a estratégia que muitos partidos políticos adotaram na Europa. Isso
acabou alimentando mais ainda a ideia de construir uma Europa-fortaleza para se proteger
da concorrência externa.
Esta é a questão fundamental
por trás do sentimento anti-imigrante de uma parcela expressiva de europeus.
Mas é preciso ressaltar que
essa tendência à xenofobia
também foi impulsionada pela
propagação das ideias antiterroristas e de guerra entre civilizações defendidas por George
W. Bush, que via perigo islamista em toda parte. Os europeus
rejeitaram claramente o belicismo de seu governo, mas acabaram embarcando na onda de
medo do islã. Afinal, quem está
perto do mundo islâmico é a
Europa, não os EUA.
É a convergência desses dois
fenômenos -o sentimento de
declínio dos europeus e o delírio antiterrorista do governo
Bush- que explica boa parte da
atual xenofobia europeia.
FOLHA - A crise econômica global
pode aumentar o racismo?
JACQUEMAIN - É sempre complicado tentar prever reações sociológicas, mas acho bastante
provável que isso ocorra. Todos
os ingredientes estão aí.
FOLHA - Existe alguma relação entre a xenofobia e as medidas protecionistas que os governos estão tomando contra a crise?
JACQUEMAIN - Acho que existe
uma conexão, embora de contornos ainda imprecisos, entre
os reflexos protecionistas dos
governos nas últimas semanas
e a xenofobia de partes significativas da população.
As dificuldades sociais e econômicas estão pressionando
muitos chefes de Estado e de
governo na Europa a levarem
cada vez mais em conta a impressão popular de que a concorrência de fora representa
uma ameaça direta aos sistemas domésticos. É difícil manter parâmetros duradouros de
racionalidade diante de uma
crise tão profunda e que reforça
tão intensamente a simbologia
do declínio coletivo.
Populações de regiões como
Flandres [Bélgica de língua flamenga e Holanda] e Escandinávia tendem a achar que podem se livrar dos problemas se
resolverem as coisas sozinhas.
Ainda não há sinais objetivos
de que isso ocorrerá, mas percebo um risco de alguns países
ricos decidirem dar as costas ao
mundo. Além de ser uma reação xenófoba, causaria uma
grande fragmentação sociológica capaz de minar o projeto
de se caminhar rumo à consolidação de uma Europa política.
FOLHA - O impacto da crise sobre
os sentimentos xenófobos será o
mesmo na Europa e nos EUA?
JACQUEMAIN - A globalização está fragmentando todas as grandes sociedades, na Europa, na
América do Norte, na América
Latina, na Ásia, na África. E os
contornos do fenômeno não estão totalmente claros.
Do ponto de vista econômico, os EUA ostentam enormes
contrastes. São a maior potência econômica, comercial e financeira no mundo. Mas as
áreas ricas do Brasil são muito
mais ricas do que as áreas pobres dos EUA. Do ponto de vista cultural, os EUA formam hoje um conjunto bem mais homogêneo do que a fragmentada
e dividida Europa, mesmo tendo vivido uma guerra civil terrível [1861-65, deixando quase
um milhão de mortos].
FOLHA - A xenofobia se resume
apenas a explicações sociológicas e
econômicas?
JACQUEMAIN - De jeito nenhum.
O que algumas pessoas chamam de sentimento de "rejeição do outro", do "diferente", é
um dado constante da natureza
humana. Mas essa rejeição muda em função das circunstâncias. As táticas dos políticos em
determinados contextos podem fazer com que a aversão
aumente ou seja administrada
de forma mais harmoniosa. Na
lente criada pelo momento
atual, as diferenças tendem a
ser mais vistas como ameaça.
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