São Paulo, terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

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Brasil pede que Irã dialogue com dissidentes

Ponderação ilustra esforço do Itamaraty para se posicionar como interlocutor neutro entre Teerã e Ocidente em meio a debate nuclear

"De forma educada", fala brasileira no Conselho de Direitos Humanos da ONU recomenda a Teerã proteger direitos de ativistas e minorias


Reuters
Hillary Clinton, que faz giro pelo Oriente Médio para obter apoio por sanções contra o Irã, é recebida pelo chanceler saudita em Riad

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O Brasil pediu ao Irã que "dialogue de forma respeitosa com dissidentes e minorias", em seu chamado mais incisivo a Teerã até então. A declaração, feita ontem durante a revisão do país no Conselho de Direitos Humanos da ONU, foi elogiada pelos EUA e por organizações não governamentais, atentos ao poder de persuasão de Brasília sobre o aliado persa.
A reação pode ser lida como sinal de sucesso inicial do esforço do Itamaraty para se equilibrar entre Teerã e as potências ocidentais e ganhar espaço quando o foco internacional está no projeto nuclear do Irã e em possíveis sanções ao país no âmbito do Conselho de Segurança, em Nova York.
Esse cenário geopolítico foi inclusive evocado pelo representante iraniano para direitos humanos, Mohammad Larijani, que atribui a ele a pressão sobre seu governo na questão humanitária -Teerã nega violações sistemáticas.
Por conta do momento delicado, o discurso do Brasil foi "milimetricamente planejado", segundo fontes diplomáticas, em idas e vindas entre Genebra e Brasília. A triangulação envolveu também Nova York e reuniões com aliados.
Para se cacifar como interlocutor neutro, entretanto, observadores advertem que o Brasil terá de voltar a cobrar o aliado no Oriente Médio. Em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita o Irã, e ativistas pedem que ele se reúna com líderes dissidentes.
"O Brasil tem influência para pressionar por mudança no Irã. Agora é preciso uma leitura crítica dos desdobramentos futuros", disse à Folha Philippe Dam, da Human Rights Watch.
O discurso da embaixadora brasileira, Maria Nazareth Farani Azevedo, foi muito mais comedido que o dos EUA e da França, que defendem sanções contra o Irã pelo programa nuclear, e mesmo do que o dos vizinhos latinos Chile e México.
Mas passou longe dos desvarios de Nicarágua e Venezuela e foi mais claro que a China e a Rússia, países com poder de veto no Conselho de Segurança que os EUA tentam persuadir a votar pelas sanções.
"O Brasil, de forma educada, mas de maneira inequívoca, dialogou com o governo iraniano no conselho e passou ao governo iraniano as mensagens necessárias", disse a embaixadora à reportagem.
Como antecipou a Folha, Azevedo pediu que Teerã dê acesso aos relatores da ONU e recomendou o fim da pena de morte, além da proteção dos direitos de jornalistas e ativistas. Defendeu ainda direitos da minoria religiosa bahá'i -ponto mais repetido nos discursos.
Mas ela evitou usar a palavra "preocupação" e não citou a intensificação da repressão após a eleição do ano passado.
Para as ONGs, a obsessão por tratar um país contra o qual pesam denúncias como "um país como os demais" fragiliza a posição brasileira. "Condenação", por exemplo, não está no léxico diplomático brasileiro para Teerã, dado que o Itamaraty sustenta que "condenar" aliena em vez de engajar.
"Nos preocupa que o Brasil não tenha sido suficientemente enfático e explícito em condenar as graves e sistemáticas violações no Irã", disse Lucia Nader, da Conectas, ressalvando as menções ao fim da pena de morte e ao diálogo com dissidentes como pontos altos.
O que ficou claro ontem é que a aproximação brasileira com Teerã é vista com interesse por diplomatas e ONGs.
O secretário-assistente de Estado para Democracia e Direitos Humanos dos EUA, Michael Posner, elogiou o discurso brasileiro por "levantar uma série de preocupações muito semelhantes às dos EUA" -a Washinton, interessa dizer que tem Brasília a seu lado.


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