São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2006

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Invasão do Iraque favoreceu o Irã, diz analista

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

A invasão do Iraque proporcionou à Al Qaeda, organização do terrorista Osama bin Laden, a chance de centralizar sua "guerra santa" em solo árabe e ainda deu ao Irã a desestabilizadora oportunidade de aumentar a influência xiita num mundo islâmico dominado pela maioria sunita. A avaliação é de Ely Karmon, pesquisador do Instituto de Contraterrorismo de Israel, que veio ao Brasil para uma série de palestras a convite da organização judaica Bnai Brith. Segundo ele, o Irã tem milhares de voluntários prontos para atentados suicidas caso sofra sanções contra seu programa nuclear. A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.

 

Folha - O Iraque está em guerra civil?
Ely Karmon -
Ainda é cedo para dizer. Os xiitas e os americanos não admitem isso. As regiões mais problemáticas são Bagdá e outras duas cidades onde há mais contato entre xiitas e sunitas. Não há consenso. Há hoje muitas críticas [no mundo islâmico] a Abu Musab al Zarqawi [líder da Al Qaeda no Iraque] e os atentados que ele promove, não só dos moderados, mas de muitos sunitas radicais no Iraque. Até o mentor de Zarqawi, que está preso na Jordânia, escreveu artigos bastante duros. Um ex-chefe do braço político da Al Qaeda disse que comandantes na região exigiram que Bin Laden demita Zarqawi. Mas ele não pode demitir alguém que não nomeou. Bin Laden tem influência política e psicológica, mas o poder real pertence a Zarqawi.

Folha - A invasão do Iraque fortaleceu o terrorismo?
Karmon -
A invasão ajudou Bin Laden, que hoje é um líder virtual, a ter uma arena central para sua luta. Também permitiu que a luta voltasse ao coração do mundo árabe.

Folha - Qual foi o maior erro dos americanos?
Karmon -
Não terem planejado o pós-guerra. Estive na época em Washington e lembro que a CIA, o Pentágono, Cheney, todos tinham seu representante iraquiano. E o que fizeram? Dispersaram o exército e a polícia. E é impossível ter controle sem Exército.

Folha - Qual a influência do Irã hoje no Iraque?
Karmon -
É preciso entender a revolução provocada no mundo muçulmano pela invasão americana. Pela primeira vez desde Maomé os xiitas controlam Bagdá. Para os sunitas, que formam a maioria dos muçulmanos, é algo inaceitável. Eles consideram os xiitas piores que os judeus e cristãos. Quem é Ibrahim Jaafari [atual premiê iraquiano]? Em 1982 toda a liderança de seu partido, o Dawa, estava no Líbano, fugindo de Saddam Hussein. Um quarto do Hizbollah hoje é formado por gente do Dawa. Entre 1982 e 1990 o Dawa atacou sauditas, kuwaitianos, americanos e franceses. Os americanos fizeram o trabalho sujo para o Irã, ajudando a colocar os xiitas no poder.

Folha - Essa proximidade aumenta a pressão sobre o Irã e seu desejo de ter armas nucleares?
Karmon -
A bomba para o regime iraniano é uma necessidade. Ele se sente extremamente isolado, tanto em relação ao mundo árabe como ao Ocidente. O Irã prepara uma resposta [para o caso de sofrer sanções] e é bom levar isso a sério. Por um lado, tem mísseis que podem alcançar todas as bases americanas na região, Israel e a Europa. Além disso, nos últimos anos o regime islâmico vem recrutando jovens para serem treinados pelo Pasdaran (guarda revolucionária). Fala-se em 44 mil voluntários, suicidas potenciais.

Folha - É razoável crer que o Hamas abandonará o terror, agora que domina o governo palestino?
Karmon -
Não totalmente. A estratégia deverá ser usar o Fatah para o "trabalho sujo" dos contatos com Israel e o Jihad e outros grupos terroristas para os ataques a Israel.


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