São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

Próximo Texto | Índice

SUCESSÃO NOS EUA / NOS BASTIDORES

Equipes revelam contradições de candidatos

Mais do que livrar seus chefes de encrencas, assessores de aspirantes à Casa Branca expõem escolhas políticas de campanhas

Apoiadores de Obama criam confusão ao desmentir seus discursos; Hillary disfarça, mas traz de volta membros do governo de Bill Clinton

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

No penúltimo debate entre Barack Obama e Hillary Clinton, no final de fevereiro, no Texas, um jornalista perguntou ao senador democrata se ele se sentaria com o líder cubano Raúl Castro para negociar, depois de a ex-primeira-dama responder que não faria isso, a não ser que "precondições" tivessem sido cumpridas.
Numa longa resposta de mais de 600 palavras, Obama disse que se sentaria, sim. Então, repetiu a máxima que resume sua proposta de política externa se for eleito presidente: "Creio que é importante para os EUA falarem não só com seus aliados, mas também com seus inimigos. Acho que é aí que a diplomacia faz mais diferença".
Minutos depois, David Axelrod, coordenador da campanha do senador, estava falando com jornalistas no que o costume político local chama de "spin room" -literalmente, "sala de giro", no sentido de que é o local em que os assessores pegam uma frase dita por seu candidato num evento anterior, seja debate ou comício, e a giram -ou distorcem- até que ela fique a contento deles.
A afirmação não prejudicaria Obama mais tarde junto ao eleitorado latino mais conservador?, foi a pergunta feita pela Folha ao assessor. "Não, pelo contrário, vai até ajudar, uma vez que todos estão cansados das mesmas velhas atitudes sobre Cuba", respondeu Axelrod.
Era "The Ax", o machado, como Obama o chama, em ação, consertando situações em que seu candidato se mete por falta de experiência ou nervosismo. A ex-primeira-dama e o republicano John McCain também têm seus próprios "machados", respectivamente Mark Penn e Charlie Black. Eles são a face mais evidente e midiática de um time que não aparece, mas dá os verdadeiros contornos de cada plataforma.

Nomes testados
São dezenas de nomes para cada área, que vão sendo testados com o grande público e em relação ao próprio candidato. Com a aproximação da eleição, uma peneira vai sendo feita.
No caso do time de política externa, Obama começou com uma seleção que enchia uma sala. Ia de Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter (1977-1981), a Samantha Power, autora de biografia sobre Sérgio Viera de Mello, diplomata brasileiro morto em Bagdá. Por motivos diferentes (posição crítica a Israel no primeiro caso, deslize verbal no segundo), os dois foram afastados ou se afastaram -também assessores se metem em confusões.
Hoje, a área é coordenada pela ex-clintonista Susan Rice, uma das integrantes do governo de Bill Clinton (1993-2001) cooptadas por Obama. Seu equivalente em "Hillaryland" (apelido dado à campanha rival por conta das mulheres que formam seu centro nervoso) é o banqueiro norte-americano Richard Holbrooke.
Outro Richard, Armitage, está com o senador John McCain. Ele ilustra outra característica não rara desse grupo de pessoas: muitas vezes, contrariam em privado ou por conta de seus currículos o que os candidatos dizem em público. O caso de Austan Goolsbee, um professor da Universidade de Chicago que é o principal assessor econômico de Obama, é o mais recente e evidente.
No que ficou conhecido como "Naftagate", o economista disse a diplomatas canadenses que as críticas que seu candidato fazia ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) não eram para valer, apenas peça de campanha para ganhar votos em Ohio -que aponta o acordo como vilão de seu índice de desemprego, um dos maiores índices do país.
Mas há outros casos. Apesar de prometer que sua eleição não significará um terceiro mandato de George W. Bush, John McCain cerca-se de pessoas que tiveram importância na administração do atual presidente. Richard Armitage, por exemplo. Falcão neocon, foi o segundo no Departamento de Estado de Colin Powell.

"Monstro"
Já Hillary tenta se fixar como uma candidata independente de Bill Clinton e afirma que a sua não será uma co-Presidência. Ainda assim, muitos assessores saíram direto dos gabinetes de um dos dois mandatos do marido. É o caso de Richard Holbrooke, forte candidato a secretário de Estado, que ocupou o posto de embaixador dos EUA na ONU no segundo mandato de Clinton.
Ou Gary Gensler, número três e depois número dois da secretaria do Tesouro do ex-presidente democrata, um dos principais assessores econômicos de Hillary. "Como as propostas são mais ou menos parecidas, os pré-candidatos têm de se diferenciar de outras maneiras", disse à Folha David Mendell, autor de "Obama -From Promise to Power" (da promessa ao poder, 2007).
A escolha dos assessores é uma delas. Nesse sentido, nenhum é tão examinado nessas ações quanto Obama. Cada novo nome que vaza de seu time se torna uma celebridade instantânea. Para o bem e para o mal. Susan Rice, que assumiu a liderança depois de Samantha Power cair ao chamar Hillary Clinton de "monstro", começa a passar por apuros.
Primeiro, ao falar em entrevista na TV que nem Obama nem Hillary "estão preparados para atender aquele telefonema às 3h da manhã", referindo-se a um anúncio colocado no ar pela campanha da ex-primeira-dama para salientar a falta de experiência do senador. Num artigo intitulado "Novatos demais para o horário nobre", um articulista questiona se o senador não se cercou de muita gente verde.
Agora, veio à tona que, enquanto era ex-secretária de Estado para a África de Bill Clinton, Susan Rice teria aconselhado o presidente a recusar uma oferta do governo do Sudão de entregar Osama bin Laden aos EUA, segundo disse Timothy Carney, que à época (1995-1997) era embaixador norte-americano no país.


Próximo Texto: Americanas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.