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Israel pressiona Lula a se afastar do Irã
Em sessão no Parlamento israelense, presidente brasileiro ouve exortações contra Teerã de governistas e opositores
Petista não cita país persa em discurso, mas em reunião
com Netanyahu reafirma crença em diálogo como melhor caminho a seguir
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ouviu ontem um coro de vozes israelenses, representando todo o arco político-institucional, para que adira ao
que o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, chamou de
"frente internacional que se está formando contra o armamentismo do Irã".
Emendou "Bibi", como é
mais conhecido o premiê israelense: "Você [Lula] representa
valores diferentes. Eles [o Irã]
usam a crueldade, eles amam a
morte, você ama a vida".
O coro incluiu dois pedidos
para que Lula não legitime "as
intenções assassinas" dos governantes iranianos, como disse Reuven Rivlin, o presidente
da Knesset, o Parlamento israelense. É uma evidente alusão à visita que Lula fará em
maio ao Irã, que também foi
criticada pela líder da oposição,
Tzipi Livni, para quem "o Brasil
não pode permitir-se dar legitimidade indireta ao Irã".
Depois do que o chanceler
Celso Amorim chamaria de
"exortações", Lula não citou a
palavra Irã em uma única linha
de seu discurso à Knesset, que
terminou sendo aplaudido de
pé pelos deputados.
Na conversa fechada com o
presidente brasileiro, Netanyahu voltou a cobrar Lula, de forma "muito amistosa e respeitosa", segundo o relato do encontro feito por Amorim.
Aí, sim, o presidente brasileiro disse qual era a sua posição,
reiterando a defesa do diálogo
em vez de sanções. No discurso
ao Parlamento, aliás, já tocara
no tema "diálogo", conceitualmente, aplicando-o não ao Irã
especificamente, mas a tudo.
"Não fugi aos conflitos. Mas
busquei resolvê-los pelo diálogo, ainda quando parecia exercício ingênuo, tarefa impossível", afirmou.
Parece uma alusão ao fato de
a diplomacia israelense considerar ingênua a visão brasileira
sobre o diálogo com o Irã.
A violência retórica contra
Teerã, nos discursos dos líderes
israelenses, demonstra que não
há a mais leve hipótese de que
aceitem a conversão do regime
iraniano pelo diálogo.
"O tempo está terminando, e
o mundo deve despertar para as
bases satânicas do regime dos
aiatolás", começou Rivlin, presidente da Knesset, pertencente ao Likud, o partido de Netanyahu, a direita dura israelense.
Continuou: "Ser publicamente contra sanções pode ser
interpretado como sinal de fraqueza ante líderes que não têm
freios".
Seguiu-se Tzipi Livni, do Kadima, partido hoje tido como
moderado, mas que foi criado
por Ariel Sharon, ex-primeiro-ministro que se encontra em
estado vegetativo após acidente vascular cerebral. Sharon foi
historicamente considerado
ultralinha-dura:
"A vitória do Hamas é a vitória do Irã e da ideologia do
ódio", disparou, aludindo ao
movimento islâmico de resistência, que controla a faixa de
Gaza e está na lista de movimentos terroristas da União
Europeia e dos EUA.
A barragem de "exortações"
não surpreendeu o governo
brasileiro. De fato, já fora antecipada por esta Folha no sábado, 24 horas antes da chegada
de Lula. O fato de ter sido feita
em público, em uma sessão do
Parlamento que usualmente é
uma exaltação da amizade entre dois países, confirma que a
hipótese de que o Irã produza a
bomba atômica é o grande pesadelo de Israel.
Como diz Dan Ayalon, vice-chanceler: "É bastante óbvio
que, depois de um ano em que
todas as tentativas de engajamento não funcionaram, se
continuarmos com o diálogo
pelo diálogo se criará uma situação muito perigosa porque,
enquanto dialogamos, os iranianos trabalham duramente
para ter a arma nuclear".
Depois da sessão do Parlamento, a Folha perguntou a
Ayalon se ele ficara frustrado
com a ausência de menção ao
Irã no discurso de Lula. "Respeitamos a posição dele, que é
um líder mundial. Esperamos
que, ao final do encontro [que
haveria entre Netanyahu e Lula], haja não só um encontro de
mentes mas de posições."
Não houve, mas tampouco
quer dizer que tenha havido rachaduras no bom relacionamento Brasil-Israel. Tanto que
Netanyahu e Lula combinaram
que, doravante, haverá uma
sistema de reuniões entre os
chefes de governo uma vez a
cada dois anos.
O primeiro-ministro foi convidado a visitar o Brasil e talvez
o faça ainda neste ano.
Pode ter contribuído para
amenizar a divergência o fato
de que o governo brasileiro parece exibir agora uma posição
mais flexível em relação ao
programa nuclear iraniano.
Amorim antecipou, na entrevista coletiva, que Lula cobrará
do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em maio, garantias
de que o programa nuclear iraniano é exclusivamente para
fins pacíficos.
Mais: "É preciso que a comunidade internacional seja convencida [das garantias]". Amorim disse ainda que "nem nós
estamos convencidos, a priori".
Não são exatamente frases
que combinem com a versão
mais difundida pela mídia internacional de que o Brasil defende o programa nuclear iraniano. Defende o direito do Irã
-e de qualquer país- de ter a
tecnologia nuclear para usos
pacíficos, mas é contra que
"qualquer país tenha armas nucleares", conforme Lula comentou com Netanyahu.
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