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Não há Internet; CD, DVD, celular, pager e computadores modernos são produtos que a maioria dos iraquianos conhece só de nome
Iraque: um país parado no tempo
PAULO DANIEL FARAH
enviado especial a Bagdá
CD, DVD, pager, celular, microondas. São produtos que os
iraquianos conhecem apenas de
nome, pois o país parou no tempo
nos últimos dez anos.
A globalização deixou o Iraque
de fora, devido ao isolamento comercial e diplomático imposto
após a invasão do Kuait, em 90.
Não há Internet, os computadores estão completamente obsoletos e até videocassete é difícil encontrar. Os CDs são muito raros, e
cada vez mais diminui o número
de fitas originais. Para driblar a
falta de recursos técnicos, as lojas
permitem que o cliente monte um
"coquetel" de músicas, gravadas
em 24 horas numa fita virgem.
A frota de carros não se renova
há dez anos. Nas ruas, o que mais
se vê são Passats, chamados de
"brasili" (brasileiro, em árabe; entre 83 e 88, o Brasil exportou cerca
de 190 mil Passats ao Iraque).
Como é difícil obter peças de reposição, existem carros com vidros quebrados e zarcão aparente. Atualmente, há empresas da
Turquia, de Taiwan e do Líbano
que fazem peças para os Passats.
Os iraquianos não têm ar-condicionado, essencial para um país
em que a temperatura chega a
50C no verão. Mesmo os caminhões que transportam medicamentos quase inexistem, pois o
Comitê de Sanções da ONU os
barrou sob temor de "uso duplo".
Normalmente, as cidades ficam
sem luz seis horas por dia (três
horas de dia e três à noite).
Quase não há tratamento quimioterápico, devido à falta de
drogas, e o transplante de medula
não está disponível, pois não existem equipamentos adequados.
No hospital Saddam Hussein,
em Bagdá, o médico Abdul Latif
diz à Folha que "a leucemia é
100% letal aqui". Há uma ala inteira com crianças aguardando "a
morte certa", como diz Latif, sob
o olhar perturbado dos pais.
O Ministério da Saúde do Iraque disse que, em fevereiro, 6.939
crianças com idade inferior a 5
anos morreram de diarréia, pneumonia, desnutrição e doenças do
sistema respiratório. Em fevereiro
de 1989, houve 356 mortes nas
mesmas circunstâncias.
Os indicadores socioeconômicos sofreram um retrocesso significativo nos últimos dez anos.
A mortalidade infantil mais que
dobrou desde o início do embargo, segundo o Unicef (Fundo das
Nações Unidas para a Infância).
De 4% da população (entre 90 e
92), a desnutrição passou a atingir
15% (entre 95 e 97), o maior aumento do período.
Cerca de 500 mil crianças teriam
sobrevivido sem as sanções, ainda
segundo o Unicef. O bloqueio
produziu entre 3 milhões e 4 milhões de emigrados e cerca de
30% de evasão escolar.
Embargo intelectual
A asfixia econômica veio acompanhada de um embargo intelectual, que proíbe a exportação de
literatura médica para o Iraque e
deixou o país pouco preparado
para lidar com problemas de saúde, segundo estudo da revista
"The Lancet" publicado em março. Os iraquianos só têm acesso à
literatura científica moderna por
meio de pesquisadores estrangeiros que visitam o país.
O analfabetismo, depois de considerado erradicado (com cinco
prêmios concedidos pela ONU
pelo incentivo iraquiano à educação), em 1980, atinge agora jovens. O Iraque publicou mil livros
em 1989. Dez anos depois, esse
número caiu para 160.
Uma equipe de seis especialistas
analisou o estado da indústria petrolífera iraquiana entre 16 e 31 de
janeiro deste ano. Seu parecer
afirma que "é evidente que o declínio da condição de todos os setores da indústria prossegue e está
acelerando em alguns casos". Assim, pede que "uma ação efetiva
seja tomada imediatamente".
O preço médio do barril de petróleo deve ser de US$ 24,5 neste
ano, cerca de 35% acima dos US$
18,25 do ano passado, segundo
análise do FMI divulgada na última quarta. No país, um litro de
gasolina comum custa 20 dinares
(cerca de US$ 0,01).
Reintegração
Entre os membros permanentes
do Conselho de Segurança da
ONU, China, França e Rússia se
opõem abertamente ao embargo,
mas seu fim depende da aprovação dos EUA e do Reino Unido.
Os países árabes, à exceção de
Kuait e Arábia Saudita, defendem
a reintegração do país ao mercado
mundial, sem vincular seu apoio
ao presidente Saddam Hussein.
O Vaticano criticou as sanções
econômicas, pois acredita que
elas prejudicam especialmente os
pobres, os idosos e as crianças.
Esse cenário claro de rejeição e
as recentes renúncias de funcionários da ONU, por causa da devastação que o bloqueio provocou no país, aliados à perda de
contratos milionários, levam a
crer que a suspensão do cerco pode ocorrer ainda este ano.
Brasileiros, europeus, norte-americanos e chineses deixam de
faturar bilhões nos setores de
construção civil, de prospecção de
petróleo, farmacêutico, automotivo e alimentício (avícola, em especial), entre outros.
O Brasil chegou a exportar US$
600 milhões por ano ao Iraque.
Envolveu-se em projetos de construção de ferrovias, metrô e estradas (como a que liga Bagdá à fronteira jordaniana, excelente).
O jornalista Paulo Daniel Farah viajou a
convite do governo iraquiano
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