São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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ELEIÇÕES
Presidente conseguiu estabilizar a economia e derrotar terroristas, mas seus métodos são discutíveis
Peruanos debatem legado de Fujimori

LUCAS FIGUEIREDO
enviado especial a Lima

Alberto Fujimori, presidente do Peru há dez anos, apareceu na mídia internacional, ultimamente, como o "vilão" do momento.
Depois de promover um autogolpe em 1992 (com fechamento do Congresso, controle do Judiciário e suspensão dos direitos constitucionais), agora Fujimori é acusado de fraudar as eleições para ficar mais cinco anos no poder.
Por que Fujimori ainda conta com o apoio de parte considerável da população?
Para responder a essa pergunta, a Folha promoveu, três dias antes do primeiro turno da eleição, um debate com sete peruanos de diferentes idades e profissões.
O debate começa com a mais velha do grupo: a funcionária pública aposentada Julia Beatriz Ramírez, 62. Ela ressalta que, no governo de Fujimori, sua pensão deixou de ser corrigida no mesmo nível dos salários dos servidores da ativa, mas que, mesmo assim, votará pela sua "re-reeleição".
Logo, suas duas filhas entram na discussão. Cecília Ramírez, 34, é publicitária e viveu oito anos no exterior, durante os piores momentos do terrorismo e da crise econômica (85-93). Votará em Alejandro Toledo, candidato de centro e oponente de Fujimori.
Betty Ramírez, 30, é operadora de turismo, um dos setores da economia peruana que mais crescem desde que o governo Fujimori estabilizou a economia e derrotou os terroristas do Sendero Luminoso e do MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru). Seu voto será por Fujimori. Com elas, a palavra.
Julia: "Fujimori tem de ficar mais cinco anos na Presidência para dar continuidade a seu plano de governo. Ele pegou o país destruído, estabilizou a economia e acabou com o terrorismo."
Cecília: "Mas ele é autoritário."
Julia: "Você estava fora, não sentiu o efeito do terrorismo."
Cecília: "Mas conheço a história. Sei que Toledo significa a mudança, o fim do autoritarismo."
Julia: "Não acredito em índio no poder (Toledo é descendente de índios). Acabará sendo um segundo Alan Garcia (presidente anterior a Fujimori, cuja gestão foi marcada pelo caos econômico e pela explosão do terrorismo)."
Cecília: "Mamãe, você não sabe o que o povo passa. Nas viagens que faço a trabalho, vejo como o país está esfacelado. O povo passa fome e não tem emprego."
Betty: "Você está iludida. Como Toledo criará os empregos que prometeu? Ele é um demagogo. Não é justo que destrua o que foi feito nos últimos dez anos."
Cecília: "Confesso que tenho um certo carinho por Fujimori. É simpático e trabalhador. Mas não sabe mais o que é a democracia. A liberdade de imprensa não existe. Vocês se esquecem que Fujimori mandou torturar e matar para combater o terrorismo?"
Betty: "Ok, isso aconteceu e não é certo. Mas não há outra opção."
Mais três pessoas entram no debate. O primeiro a opinar é Lino Estrada, fotógrafo, 34, que não revela em quem votará. Já o administrador de empresas Ricardo Huertas, 32, diz preferir Fujimori. Por fim, fala a advogada Lilliana González, 34, eleitora de Toledo.
Lino: "Não podemos negar. As economias de todos os países da América Latina só cresceram depois de ditaduras. Vejam os exemplos do Chile e do Brasil."
Ricardo: "Toledo prometeu criar 500 mil empregos e dar aumento para policiais, professores e outras categorias. Mas seu plano de governo prevê que haverá controle rígido dos gastos públicos. Como fará, então? Além disso, ele não terá maioria no Congresso (das 120 cadeiras no Parlamento, seu partido deverá ocupar 28). Toledo é um candidato frágil e seria um presidente frágil. Fujimori não terá maioria no Congresso (52 das 120 cadeiras), mas pelo menos lhe faltaram poucos votos, que podem ser negociados."
Lilliana: "Você acha que Toledo é frágil? E quanto a Fujimori? Ele era tão ou mais improvisado que Toledo quando foi eleito pela primeira vez (em 1990, quando venceu o candidato favorito, o escritor Mario Vargas Llosa)."
Ricardo: "Então por que elegeríamos um novo Fujimori?"
Lilliana: "Porque democracia é isso: a certeza de que é preciso mudar, seja para pior ou melhor."
Lino: "Prefiro a ditadura."
Cecília: "Concordo que Toledo é um tipo improvisado. Mas é a única alternativa a Fujimori."
Ricardo: "Foi muito difícil sair da crise dos anos 80. Mas seria muito fácil voltarmos a ela."
Junta-se ao grupo Rossana Arnaiz, 33, economista de um dos muitos bancos estrangeiros que operam no país desde que Fujimori abriu o mercado bancário.
Rossana: "Os investidores querem estabilidade econômica. Pode-se mudar a Constituição, mas não as regras econômicas. Que se mexa na Constituição, desde que não voltemos à hiperinflação."
Cecília: "Você defende a idéia de que o progresso justifica a tortura e a ditadura? Isso é fascismo."
Lino: "Prefiro o meu fascista, que conheço há dez anos (risos)."
Rossana: "Concordo que não houve democracia com Fujimori. Ele não é perfeito, mas reergueu este país, que estava quebrado."
Cecília: "É preciso olhar longe. Vocês olham só o presente e, com isso, estão criando um monstro."
Lino: "Chega! Que tal irmos todos a uma danceteria? Este país foi para o buraco (risos)."
Chega o jantar, e acaba o debate. Fujimoristas e toledistas voltarão a se enfrentar no segundo turno, no final de maio ou início de junho. Por enquanto, uma trégua.


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