São Paulo, quarta-feira, 16 de maio de 2001

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AMÉRICA LATINA

Cresce pressão pela saída de Ricardo Brinzoni, acusado de se omitir sobre crime político e de se ligar a neonazista

Escândalo ameaça chefe militar argentino

ROGERIO WASSERMANN
DE BUENOS AIRES

Chamado a depor na semana que vem como testemunha no caso sobre um massacre de presos políticos durante o último regime militar argentino (1976-83), o general Ricardo Brinzoni, atual comandante do Exército do país, pode estar com seus dias contados no cargo que ocupa há um ano e meio.
Além das denúncias de que encobriu o massacre, Brinzoni protagonizou um episódio constrangedor e ainda mal explicado -ele contratou um advogado filiado a um partido neonazista para representá-lo e a outros militares no caso.
Um grupo de deputados e o Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), uma das mais ativas organizações de defesa dos direitos humanos no país, pediram a destituição de Brinzoni.

Silêncio
Oficialmente, o governo não comenta o caso e diz que é um assunto que compete à Justiça. Mas o Ministro da Defesa, Horacio Jaunarena, sugeriu a Brinzoni manter silêncio absoluto para sair dos holofotes e evitar uma repercussão ainda maior no caso. Brinzoni está nesta semana em viagem oficial aos EUA.
O caso pelo qual o general é acusado começou a ser levantado na década de 80 pelo Cels, que fez uma primeira denúncia em 1984, para tentar evitar uma das promoções a Brinzoni.
O chamado "massacre de Margarita Belén" ocorreu em dezembro de 1976, pouco após o golpe militar que derrubou a presidente Isabelita Perón (1974-1976), na Província do Chaco (cerca de 1.050 km ao norte de Buenos Aires), onde Brinzoni, então capitão, ocupava o cargo de secretário-geral do governo militar interventor da Província.

Confissão
Na madrugada do dia 13 de dezembro, um grupo de presos políticos (militantes de esquerda e peronistas) foi retirado da penitenciária de Resistencia, capital do Chaco, supostamente para ser levado a uma prisão de segurança máxima na Província vizinha de Formosa.
No caminho, os 22 prisioneiros teriam sido levados a um descampado, onde, segundo conclusões de investigações da Câmara dos Deputados, eles foram mortos após terem sido torturados.
Pela versão oficial do Exército, os presos tentaram fugir e entraram em confronto com os militares. Alguns dos corpos nunca foram encontrados.
O caso, que até hoje permanece sem um esclarecimento formal, ganhou força na semana passada com a confissão, feita por Brinzoni em uma entrevista ao jornal "Norte", do Chaco, na qual ele confirmou que o episódio ocorrido em 1976 foi realmente um massacre, não um enfrentamento, como sustenta a versão oficial do Exército.
"É duro dizer isso, mas os presos foram executados", disse Brinzoni ao jornal. Ele afirmou que só tomou conhecimento da verdade nos anos 80, por meio de uma investigação particular.
"Temos elementos para sustentar que ele sempre soube o que aconteceu", disse à Folha o diretor-executivo do Cels, Victor Abramovitch. "Mas, se ele afirma que descobriu [o massacre" só na década de 80, queremos saber o que ele fez com a informação e as pessoas que ele entrevistou para chegar a essa conclusão. Isso ele não diz."
O centro deve esperar o depoimento de Brinzoni à Justiça na semana que vem, pedido pelo juiz federal Carlos Skidelsky, do Chaco, num processo aberto para investigar a verdade no caso do "massacre de Margarita Belén", para apresentar uma denúncia criminal contra o comandante do Exército.

Neonazista
A situação de Brinzoni complicou-se ainda mais pela revelação, há algumas semanas, de que Enrique Torres Bande, o advogado contratado por ele e por outro grupo de militares de alta patente acusados de envolvimento no caso, é também um dirigente do partido Novo Triunfo, de caráter neonazista.
Forçado pelo Ministério da Defesa, Brinzoni dispensou Bande tão logo a história se tornou pública, mas o general se tornou alvo também de entidades judaicas, que se acabaram se juntando aos que pedem sua destituição do cargo.
Consultado ontem pela Folha, o Ministério da Defesa disse que o governo não pretende comentar o caso enquanto estiver na órbita da Justiça e que não há nenhum plano de substituir o comandante do Exército.
Na semana passada, um comunicado oficial do Ministério dizia que Brinzoni "não teve responsabilidade nem participação em ações de repressão ilegal em nenhum momento de sua extensa vida militar".



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