São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

Texto Anterior | Índice

EUA

Mark Thomas compilou telefones públicos nos quatro cantos do planeta para fomentar contatos aleatórios entre pessoas

Nova-iorquino faz guia mundial de orelhões

IAN URBINA
DO ""NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

Tudo começou como um estudo de arte. Com um caderno azul na mão, Mark Thomas passava tardes percorrendo a pé as ruas de Manhattan (Nova York), anotando o número e a localização de telefones públicos. Ele divulgava as informações em seu site, na esperança de que as pessoas ligassem para os telefones.
""Existe beleza real em atos de contato aleatório entre estranhos", explicou. Em pouco tempo, sua lista já se ampliava para incluir telefones situados no topo da Torre Eiffel, no porão do Vaticano, no meio do deserto de Mojave e em cerca de 450 mil outros lugares espalhados pelo mundo.
A notícia de seu projeto se espalhou, e Cindy, no Havaí, disse que tivera uma conversa estranha sobre praias com um homem que atendeu uma ligação em um telefone público do Brasil. Kim, de Sydney, na Austrália, contou que telefonou para um orelhão situado em Manhattan, onde um homem atendeu dizendo ""Wassup?" (o que está acontecendo?) e disse nunca ter ouvido falar na Austrália.
A mais surrealista de todas foi a conversa que Thomas teve quando atendeu um telefone em Queens, na estação de metrô da linha N, em Nova York, e a pessoa do outro lado da linha explicou que encontrara o número no site do próprio Thomas.
Mas, em pouco tempo, o projeto foi mudando de natureza, com a chegada de mensagens eletrônicas de pessoas em pânico que precisavam descobrir a localização de um telefone público determinado. Foi o caso de uma mãe na zona rural do Texas que, desesperada, procurava sua filha de 15 anos, grávida, que fugira de casa um mês antes e tentara ligar para casa desde um telefone público.
Ou de um grupo de combate à pedofilia que tentava localizar às pressas um homem que utilizara um telefone público para combinar um encontro sexual com um garoto pequeno. Ou, ainda, de um corretor de imóveis na Filadélfia que queria acabar com as ligações diárias de um perseguidor que ameaçava matá-lo.
Na era da onipresença dos celulares, a paixão de Thomas pelos telefones públicos, embora num primeiro momento não tenha passado de fantasiosa, acabou rendendo aplicações tanto divertidas quanto urgentemente práticas. Seu site www.payphone-pro ject.com, recebe cerca de 45 mil visitas por mês e é um dos únicos lugares em que pessoas podem encontrar a localização de um telefone público do qual receberam uma ligação.
O site, disse ele, virou o que o telefone público já foi no passado: uma fonte de assistência vital para pessoas em momentos de necessidade repentina.
O entusiasmo de Thomas pelo assunto é inegável. Ele ergue a voz quando descreve as filas de pessoas que aguardam, impacientes, para falar no telefone público que já foi descrito como o mais usado dos EUA, o do terminal Grand Central, em Nova York.
Seu rosto fica corado de emoção quando ele descreve algumas das conversas bizarras que já teve ao responder a ligações aleatórias em telefones públicos que tocaram quando ele passava ao lado. Um senhora ligou para o telefone público numa esquina movimentada, em Queens. Ela convenceu Thomas a esperar na linha com ela durante 20 minutos, numa noite gelada de dezembro, até que sua filha apareceu para atender ao telefonema.
Em outra ocasião, um homem de voz rouca ligou para o mesmo telefone e disse: ""Alô, Louise está aí?". ""Não, este é um telefone público." ""Eu sei. Escute, quando ela passar por aí, por favor, diga-lhe que Julio telefonou e que vou ficar no Riker's por mais tempo do que imaginei."
O interesse pelos telefones públicos é algo que Thomas, que tem 36 anos, é pianista profissional e vive em Long Island City, Queens, diz datar de quando era adolescente, em Tampa, na Flórida. Entediado e sem poder sair de casa nas noites de sexta-feira, ele começou a telefonar sempre para um telefone público no bulevar Kennedy, perto da Universidade de Tampa, um dos bairros da cidade mais decadentes na época.
""Quando você tem 15 anos e nem sequer pode beber álcool, acha realmente excitante conversar com bêbados e prostitutas", explicou. Os telefonemas aleatórios que o apresentador David Letterman fazia para telefones públicos próximos ao teatro Ed Sullivan o inspiraram ainda mais. Quando abriu seu site, em 1995, Thomas descobriu que abrira a porta a toda uma subcultura vigorosa povoada por aficionados. ""Você ficaria espantado de saber quantas pessoas compartilham esse hábito bizarro", comentou.
Thomas diz que acha ótima a nova utilização que vem sendo feita de seu hobby. E, como hoje em dia a maioria dos telefones públicos não recebe telefonemas, apenas os faz, ele diz que reconhece que sua esperança original de instigar atos aleatórios de contato entre estranhos se tornou algo cada vez mais irrealizável.
Mas Thomas se mostra menos tolerante em relação a outras tendências novas. ""O telefone celular não substitui o público", declarou. Colecionador de rádios antigos e adepto dos discos em vinil, ele lamenta a crescente obsolescência dos telefones públicos.
Com a redução do número desses aparelhos nos EUA -de 2,7 milhões em meados dos anos 1990 para menos de 1,8 milhão hoje-, ele acha que o que se perdeu foi mais do que conveniência pública. ""Os telefones públicos são uma ajuda vital para os miseráveis. As cabines são casulos que os abrigam em dias de chuva", explicou. ""Perdendo esses telefones, perdemos muitas janelas que nos revelam algo sobre a condição humana."


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Aids é grande preocupação, afirma general
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.