São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Hizbollah e governo aceitam dialogar

Negociação foi mediada pela Liga Árabe e suspende confrontos que deixaram mais de 80 mortos no Líbano em uma semana

Conflitos foram os piores desde o fim da guerra civil; antagonistas debaterão em Qatar divisão do poder e lei eleitoral, razões de impasse


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

A pior crise no Líbano desde a guerra civil (1975-1990) deu ontem uma trégua à diplomacia, com um acordo mediado pela Liga Árabe que prevê a retomada do diálogo entre as facções em confronto -o governo, apoiado pelos EUA, e o grupo radical xiita Hizbollah, que tem patrocínio iraniano. Os confrontos, que duraram uma semana e deixaram mais de 80 mortos, não se repetiram ontem, e o aeroporto e o porto de Beirute foram reabertos.
A reportagem da Folha estava num dos primeiros vôos que receberam autorização para pousar no aeroporto internacional de Beirute, que nos últimos dias esteve fechado e com os acessos bloqueados pelos militantes do Hizbollah. Nas proximidades do terminal, escavadeiras eram monitoradas pelo Exército enquanto retiravam os montes de terra e pedra que bloqueavam as estradas.
Nas ruas de Beirute ainda há densa presença do Exército libanês, que procurou se manter neutro diante dos confrontos, mas posicionou tropas em pontos estratégicos do país para evitar o alastramento da violência e possíveis conseqüências à população civil. A crise afugentou os estrangeiros, e a maioria dos hotéis está vazia.
As Forças Armadas assumiram a segurança da capital, depois que o governo do primeiro-ministro Fuad Siniora, sunita, revogou as decisões que haviam deflagrado a crise -a proibição do sistema de comunicações do Hizbollah e a demissão do chefe de segurança do aeroporto, que seria simpatizante do grupo xiita.
Ante o avanço do Hizbollah, que chegou a ocupar parte de Beirute, o governo foi obrigado a recuar, dando aos xiitas uma importante vitória, mas afastando o risco de guerra civil -ao menos temporariamente.

Impasse
O acordo anunciado pelos mediadores da Liga Árabe, após dois dias de negociações, é mais uma tentativa de resolver um impasse político entre governo e oposição que já dura 18 meses.
Segundo o premiê de Qatar, Hamad bin Jassim bin Jabr al Thani, que chefiou o time, governistas e opositores "prometeram evitar a voltar ao uso de armas e de violência para obter ganhos políticos". Ficou acertado que as partes em conflito voltarão à mesa de negociação a partir de hoje, em Qatar.
"Não há vencedores", disse Al Thani. "Precisamos ajudar o Líbano a solucionar essa crise e continuaremos a pressionar." Pouco após o anúncio do acordo, a oposição liderada pelo Hizbollah confirmou o fim de sua campanha de desobediência civil e autorizou a retirada das barricadas de Beirute.
As negociações em Qatar tentarão chegar a uma fórmula para a divisão do poder no gabinete, no qual o Hizbollah e seus aliados pedem maior participação, e a uma nova lei eleitoral, que permite ampliar a representatividade dos xiitas e que deve levar à eleição do chefe do Exército, Michel Suleiman, como presidente. A disputa paralisa o governo desde novembro, quando Emile Lahoud, um ex-comandante militar pró-Síria, deixou o cargo. Desde então, governo e oposição vivem um impasse sobre o sucessor.
O vôo RJ 407, da Royal Jordanian, que partiu de Amã às 21h50 (15h50 de Brasília), foi o terceiro a pousar em Beirute após a reabertura do aeroporto. O avião da Embraer, modelo 195, tinha apenas 44 de seus 100 assentos ocupados.
Em um deles estava o libanês Emil Abiaad, 26, gerente de um restaurante em Amã. Ele havia comprado a passagem para a última segunda, mas teve que adiar o retorno a seu país por causa da crise. "É bom saber que chegaram a um acordo e que a violência foi suspensa", disse. "Mas, no Líbano, a tranqüilidade nunca dura muito."
No centro de Beirute, tanques e blindados do Exército patrulham as ruas, enquanto o comércio e os hotéis contabilizam as perdas. O ministro do Turismo, Joe Sarkis, calculou nesta semana em US$ 600 milhões o prejuízo causado pela crise. Segundo a gerência do hotel Crowne Plaza, um dos muitos do bairro de Hamra, no centro, a ocupação caiu de 92%, antes dos confrontos, para 10%.


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