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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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20 mentiras sobre a Guerra do Iraque

Chris Helgren/Reuters
Soldado americano, da 3ª Divisão de Infantaria que vai ter de ficar mais tempo no Iraque, espera por seu comandante


GLEN RANGWALA E RAYMOND WHITAKER
DO "INDEPENDENT"

1) O Iraque foi responsável pelo 11 de Setembro
Um suposto encontro, em Praga, entre Mohammed Atta, líder dos seqüestradores envolvidos nos ataques de 11 de setembro de 2001, e um funcionário dos serviços de inteligência iraquianos era a principal base dessa alegação, mas a inteligência tcheca reconheceu mais tarde que o contato do iraquiano poderia não ter sido Atta. Isso não impediu a constante corrente de alegações de que o Iraque estava envolvido no 11 de Setembro, com sucesso tamanho que, em um dado momento, as pesquisas de opinião demonstravam que dois terços dos americanos acreditavam que Saddam Hussein estivesse por trás dos ataques

2) O Iraque e a Al Qaeda estariam trabalhando juntos
Alegações persistentes de líderes britânicos e americanos de que Saddam e Osama bin Laden estariam mancomunados foram negadas por um relatório do serviço de inteligência da Defesa britânica. Os "objetivos de Bin Laden conflitam ideologicamente com a situação atual do Iraque", afirmava o relatório. Outro ponto comum nas alegações era o de que membros da Al Qaeda estavam sendo abrigados pelo Iraque, onde haviam estabelecido um centro de treinamento para o uso de venenos. Quando as tropas americanas chegaram ao local do campo, não encontraram resíduos de produtos químicos ou biológicos proibidos.

3) O Iraque estava tentando obter urânio na África para seu programa de armas nucleares
O diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) americana admite agora que os documentos que procuravam demonstrar que o Iraque queria importar urânio do Níger, no oeste da África, eram falsificados, e que a alegação jamais deveria ter sido feita durante o discurso do presidente George W. Bush sobre o Estado da União.

4) O Iraque estaria tentando importar tubos de alumínio para o desenvolvimento de armas nucleares
Os Estados Unidos alegaram persistentemente que Bagdá tentara adquirir tubos de alumínio de alta resistência cujo único uso possível seria em centrífugas a gás, necessárias para enriquecer o urânio empregado em armas nucleares. De maneira igualmente persistente, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, insiste em que esses tubos são usados na produção de foguetes de artilharia. O diretor geral da AIEA, Mohamed El Baradei, disse ao Conselho de Segurança da ONU em janeiro que os tubos sequer serviriam para uso em centrífugas.

5) O Iraque disporia de vastos estoques de armas químicas e biológicas produzidas antes da Guerra do Golfo (91)
O Iraque dispunha de substâncias perigosas em volume suficiente para matar o mundo inteiro, de acordo com alegações repetidas diversas vezes. O país dispunha de aviões de pilotagem remota que poderiam ser contrabandeados para os EUA e usados para lançar toxinas químicas e biológicas no país. Os especialistas apontam que, excetuado o gás mostarda, o Iraque jamais dispôs de tecnologia para produzir materiais com 12 anos de durabilidade, o tempo que separou as duas guerras. Todos os agentes disponíveis no primeiro conflito teriam se deteriorado ao ponto da inutilidade anos atrás.

6) O Iraque teria retido até 20 mísseis capazes de portar ogivas químicas e biológicas e com alcance suficiente para ameaçar as forças britânicas em Chipre
Além do fato de que não foram encontrados sinais desses mísseis desde a invasão, o Reino Unido passou a desconsiderar a importância desse tipo de arma no Iraque assim que os combates começaram. Foi revelado que o equipamento de proteção química disponível foi retirado das bases britânicas em Chipre no ano passado, indicando que sequer o governo levava suas alegações a sério.

7) Saddam Hussein teria a capacidade desenvolver o vírus da varíola
A alegação foi feita pelo secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, ao Conselho de Segurança em fevereiro. No mês seguinte, a ONU disse que não havia quaisquer indícios que a sustentassem.

8) As alegações britânicas e americanas contavam com o apoio dos inspetores de armas
De acordo com o chanceler britânico, Jack Straw, o líder dos inspetores de desarmamento da ONU, Hans Blix, teria "indicado" que o Iraque dispunha de 10 mil litros de antraz. Tony Blair disse que os programas de armas químicas, biológicas "e até mesmo nucleares" do Iraque haviam sido bem documentados em inspeções da ONU. A resposta de Blix? "Isso não equivale a possuir armas de destruição em massa", disse em setembro. Em maio, acrescentou: "Estou obviamente muito interessado na questão da existência ou não de armas de destruição em massa, e começo a suspeitar que possivelmente não existissem".

9) As inspeções de armas anteriores fracassaram
Tony Blair disse em março que a ONU "tentou sem sucesso por 12 anos fazer com que Saddam se desarmasse pacificamente". Mas, em 1999, um painel do Conselho de Segurança reportou que "ainda que restem elementos importantes por resolver, o grosso dos programas proscritos de armas do Iraque foi eliminado".

10) O Iraque estava obstruindo os inspetores
O "dossiê" apresentado pelo Reino Unido em fevereiro alegava que os acompanhantes iraquianos dos inspetores haviam sido "treinados para começar longas discussões" com outros funcionários iraquianos, enquanto provas e indícios eram ocultados, e que as viagens dos inspetores eram monitoradas e notificadas antecipadamente, para eliminar as surpresas. Hans Blix disse em fevereiro que a ONU havia realizado até então mais de 400 inspeções, todas elas sem notificação prévia, cobrindo mais de 300 locais, "sem problemas".

11) O Iraque tinha a capacidade de colocar suas armas de destruição em massa em ação em 45 minutos
Essa alegação se baseava em uma única fonte, supostamente um militar iraquiano. O indivíduo não foi identificado, depois da guerra, mas Tony Blair contradisse essa alegação em abril. Ele afirmou que o Iraque começara a ocultar suas armas em maio de 2002, o que significa que elas não poderiam ser colocadas em uso em 45 minutos.

12) O "dossiê"
Blair disse ao Parlamento britânico em fevereiro, quando o dossiê foi divulgado: "Nós estaremos fornecendo mais informações, no fim de semana, sobre a infra-estrutura da operação de ocultamento. É uma situação obviamente difícil, quando temos de publicar relatórios de inteligência". Mas em breve surgiu a revelação de que a maior parte do material havia sido copiado, sem menção de fonte, de três artigos disponíveis na internet. No mês passado, o porta-voz Alastair Campbell assumiu a responsabilidade pelo plágio que sua equipe cometeu, mesmo que ela tivesse confundido duas organizações de inteligência iraquianas diferentes e informado que uma delas mudou de quartel-general em 1990, dois anos antes de sua criação.

13) A guerra seria fácil
Os temores públicos quanto à guerra nos EUA e no Reino Unido foram atenuados por garantias de que os iraquianos oprimidos receberiam as forças invasoras de braços abertos, que "demolir o poderio militar de Saddam Hussein e libertar o Iraque seria um passeio". A resistência variou de região a região, mas foi muito mais dura do que se esperava, especialmente da parte de tropas irregulares combatendo em trajes civis. "Não foi esse o inimigo que previmos em nossos jogos de guerra", se queixou um general dos EUA.

14) Umm Qasr
A queda da cidade mais setentrional e único porto do Iraque foi anunciada diversas vezes antes que as forças anglo-americanas tivessem pleno controle do local.

15) A rebelião em Basra
As alegações de que a população muçulmana xiita de Basra, a segunda maior cidade iraquiana, se levantara contra os opressores foi repetida por dias, mas depois ficou claro que ela não passava de uma expressão de um desejo da coalizão.

16) O "resgate" da recruta Jessica Lynch
O "resgate" de Jessica Lynch de um hospital em Nassiriah, por forças especiais americanas, foi apresentado como uma das mais importantes histórias "sentimentais" da guerra. Ela supostamente teria disparado contra os soldados iraquianos até o fim de sua munição, e foi conduzida a um hospital com ferimentos a bala e punhaladas. Mas foi revelado depois que todos os ferimentos aconteceram durante uma colisão de carro, que a deixou incapaz de dar um tiro. A equipe médica local tentara devolvê-la aos americanos depois que as forças iraquianas deixaram o hospital, mas os médicos desistiram quando os americanos abriram fogo contra eles. As forças especiais não encontraram qualquer resistência.

17) Os soldados poderiam ter de enfrentar armas químicas e biológicas
À medida que as forças americanas se aproximavam de Bagdá, surgiram diversas informações de que tinham cruzado uma "linha vermelha", além da qual estariam tropas da Guarda Republicana iraquiana autorizadas a usar armas químicas. Mas o tenente-general James Conway, o principal comandante dos marines dos EUA no Iraque, reconheceu depois da guerra que os relatórios de inteligência sobre a presença de armas químicas em torno de Bagdá estavam errados. "Nós tomamos virtualmente todos os pontos de distribuição de munição iraquianos entre a fronteira do Kuait e Bagdá, mas não encontramos as armas. Estávamos errados."

18) Interrogar cientistas revelaria a localização das armas banidas
"Assim que obtivermos a cooperação dos cientistas e especialistas, estou certo de que as encontraremos", disse Tony Blair em abril. Quase todos os principais cientistas iraquianos estão detidos, e as alegações de que o temor que ainda têm de Saddam Hussein os está impedindo de falar começam a parecer risíveis.

19) O dinheiro do petróleo do Iraque seria destinado aos iraquianos
Tony Blair se queixou no Parlamento de que "as pessoas alegam falsamente que queremos tomar as receitas petroleiras iraquianas", acrescentando que elas seriam depositadas em um fundo que beneficiaria a população do Iraque, sob administração das ONU.
Mas o Reino Unido co-patrocinou uma resolução do Conselho de Segurança que dá a britânicos e americanos o controle das receitas de petróleo do Iraque. Não existe fundo administrado pela ONU. A resolução continua a deduzir dinheiro para pagar reparações ao Kuait pela invasão de 1990.

20) Armas de destruição em massa enfim localizadas
Depois de inúmeras informações equivocadas, tanto Tony Blair quanto George W. Bush proclamaram em 30 de maio que dois trailers localizados no Iraque eram laboratórios móveis de produção de armas biológicas. "Localizamos dois trailers, que acreditamos terem sido usados na produção de armas biológicas", disse Blair. Bush foi ainda mais longe: "Aqueles que dizem que não encontramos equipamento industrial proibido ou armas proscritas estão errados". Mas agora é quase certo que os veículos se destinavam a produzir hidrogênio para balões meteorológicos, como alegavam os iraquianos. Além disso, os dois foram exportados ao Iraque pelo Reino Unido.


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