São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2008

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Vídeo mostra adolescente depondo em Guantánamo

Omar Khadr, então com 16 anos, reclama de maus-tratos a agentes canadenses que o inquirem

Gravação é a primeira da base a ser divulgada; jovem canadense foi preso em 2002 por atirar granada e matar sargento dos EUA

Reprodução/Reuters
Imagens do interrogatório gravadas por agentes americanos

DA REDAÇÃO

O vídeo do interrogatório de um adolescente canadense em Guantánamo foi liberado ontem por seus advogados, mostrando pela primeira vez procedimentos aplicados aos suspeitos de terrorismo. A dimensão indecorosa está no fato de o interrogado ser menor de idade. Segundo a CNN, Guantánamo chegou a abrigar oito menores, quase todos já libertados.
Omar Khadr tinha acabado de completar 16 anos quando, em fevereiro de 2003, foi por quatro dias interrogado na base americana incrustada em Cuba por três agentes dos Serviços de Segurança e Inteligência canadenses. Não há cenas de violência ou coação física.
Khadr nasceu no Canadá e foi criado no Afeganistão. Parte de sua família tem histórico de ligações com a rede terrorista Al Qaeda (leia texto ao lado).
Hoje com 21 anos, Omar Khadr foi preso em julho de 2002 em território afegão, depois que soldados americanos cercaram uma base extremista nos primeiros meses da guerra que se seguiu ao 11 de Setembro. Khadr foi resgatado dos escombros, gravemente ferido.

Tortura em Bagram
Ao ser pela primeira vez interrogado na base aérea americana de Bagram, Afeganistão, ele confessou ter lançado a granada que matou o sargento Christopher Speer e cegou um outro militar dos Estados Unidos. Mas a confissão, argumentam hoje seus advogados, não tem valor por ter sido obtida sob tortura. Khadr agora nega ter matado o sargento.
A gravação do interrogatório de 2003, um documento tecnicamente precário, com a câmera escondida atrás das grades da tubulação de ar-condicionado, dura pouco mais de sete horas. O vídeo ontem liberado tem apenas dez minutos.
A impressão que ele passa é de um adolescente imaturo e fragilizado. No primeiro dia do interrogatório ele acreditou que os agentes canadenses estivessem em Guantánamo para ajudá-lo a voltar ao Canadá e não para obter informações a serem repassadas à CIA, o serviço americano de inteligência.
"Eu não tenho mais os meus olhos, não tenho mais os meus pés", diz ele, chorando e com as mãos escondendo o rosto. Em certo momento ele levanta o avental cor de abóbora, uniforme dos prisioneiros islâmicos, e mostra ferimentos, ainda não cicatrizados, do combate no Afeganistão do qual participou.
"Mas você está recebendo um tratamento médico adequado", responde um dos interrogadores. "Vocês não se preocupam comigo", afirma o então adolescente, em meio a um choro convulsivo.
O porta-voz do Pentágono, J. D. Gordon, afirma que o prisioneiro não foi maltratado. "Nossa política é a de tratar a todos com humanidade", disse ele.
O oficial da Marinha americana designado como defensor de ofício de Khadr, William Kuebler, diz que o vídeo mostra "um garoto atemorizado, que deveria ser autorizado a voltar ao seu país, o Canadá".
Relatório da Chancelaria canadense, também divulgado ontem pelos advogados do prisioneiro, traz texto de um alto funcionário, Jim Gould, que visitou Khadr em 2004.

Privação de sono
Gould foi informado por agentes americanos que a cada três horas o adolescente era transferido para uma nova cela. Com isso, ficava impedido de dormir por um período adequado e ficava com suas resistências debilitadas para "render" mais nos interrogatórios.
O documento também diz que Khadr foi colocado por três semanas em regime de isolamento. Cópias do interrogatório feito por americanos sugere, segundo os canadenses, que o adolescente era bem mais intimidado e não propriamente instado a cooperar.
A Corte Suprema do Canadá determinou em maio último que o governo entregasse aos advogados de Khadr as informações levantadas contra ele, para que a defesa pudesse fazer seu trabalho. No mês passado um tribunal federal, também canadense, determinou que o vídeo agora difundido fosse entregue aos advogados.
Segundo essa decisão, os americanos, "no caso, desrespeitaram os direitos humanos e as Convenções de Genebra" sobre prisioneiros de guerra.


Com agências internacionais



NA INTERNET -
www.folha.com.br/081971
veja o vídeo




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