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ANÁLISE
Catolicismo não explica descompasso entre Brasil e Argentina
RONALDO VAINFAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Senado argentino acaba
de aprovar uma lei que permite o casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo. É
caso pioneiro na América Latina. No Brasil há apenas o
reconhecimento da união estável, que legitima o direito
de herança para companheiros e companheiras, mas veda a adoção de crianças.
Por que a Argentina saiu
na frente do Brasil no tema?
Buscar as origens históricas desse contraste, na longa
duração, não é o melhor caminho. É verdade que, no
Brasil Colonial, a Inquisição
perseguia os amantes do
mesmo sexo, sobretudo homens, chegando a processar
centenas pelo que chamavam de "pecado nefando da
sodomia". Na Argentina, por
sua vez, a Inquisição espanhola atuou menos e, a
exemplo dos tribunais castelhanos, não tinha jurisdição
sobre relações homoeróticas.
Mas isso não quer dizer
grande coisa. No México colonial, também o Santo Ofício não tinha essa competência, mas há registro de vários
sodomitas condenados à
morte pela justiça do rei.
MEDICALIZAÇÃO
Nos dois países, sobretudo
a partir do século 18, a Igreja
Católica adquiriu grande força, de modo que a condenação do homoerotismo seguiu
intacta. A medicalização da
sexualidade na belle époque,
a mesma que construiu o
conceito de homossexualidade enquanto patologia,
ocorreu tanto lá como cá.
É impossível atribuir a homofobia brasileira à herança
católica e portuguesa pois,
desde maio último, Portugal
aprovou o casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
Na Espanha isto ocorreu
ainda mais cedo, em 2005.
O primeiro país a aprovar o
casamento gay foi a Holanda, em 2001, país caracterizado pela tolerância religiosa
desde o século 17. Amsterdã
é, desde o final do século passado, um paraíso das liberdades individuais.
Mas também ali houve
perseguição a homossexuais
no século 18, muito mais do
que nos países ibéricos.
Conclusão: a maior ou menor tendência à aprovação
legal do casamento entre
pessoas do mesmo sexo pode
ser melhor compreendida à
luz da história do tempo presente. A explicação deve passar pela maior ou menor força da Igreja Católica e sobretudo das evangélicas, interesses políticos variados, capacidade de pressão dos movimentos gays etc.
Como explicar que a África
do Sul tenha já aprovado, em
2006, o casamento gay, considerando o seu passado recente? Só estudando cada caso. As tradições antigas pesam muito pouco.
RONALDO VAINFAS é professor de história
na Universidade Federal Fluminense
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