São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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Para mentor do Taleban, grupo "já ganhou"

Na lista do terror dos EUA, Hamid Gul diz que Taleban é "legítimo" por lutar contra ocupação e "está mais forte do que nunca"

General da reserva qualifica eleição no Afeganistão de "farsa" e diz que país será abandonado novamente e Taleban voltará ao poder

DO ENVIADO A CABUL

Para o homem que os EUA acusam de ser o mentor intelectual do Taleban, o grupo fundamentalista "já ganhou a guerra contra o Ocidente" no Afeganistão.
Trata-se do general da reserva Hamid Gul, um militar que ajudou a implementar a islamização do Paquistão durante a ditadura de Zia ul-Haq (1977-88). Serviu diretamente ao ditador quando ele era um general nos anos 70, virou seu braço-direito e foi nomeado chefe do poderoso ISI, o serviço secreto paquistanês.
Ficou no cargo entre 1987 e 1989 e ajudou a fomentar os grupos militantes que lutam contra a Índia pelo controle da Caxemira. Depois, fora do cargo, foi um dos mentores do Taleban -que recrutou jovens afegãos e paquistaneses em escolas religiosas das áreas tribais do Paquistão para praticamente vencer a guerra civil que engoliu o Afeganistão de 92 a 96.
O general critica Islamabad por seu ataque contra o Taleban paquistanês nas áreas tribais. "O Paquistão está lutando agora mais uma guerra para a agenda americana. Novamente, irá pagar o preço por matar seus cidadãos", diz.
Gul é antiamericano até as raias da paranoia. Já em 2001, em uma conversa com a Folha, sustentava que o 11 de Setembro fora fabricado pela CIA.
Ainda hoje, ele é considerado pelos EUA e pela Índia como um dos mais influentes nomes do islã militante no mundo, e, em 2008, Washington o incluiu numa lista enviada à ONU de quatro pessoas para serem declaradas párias internacionais.
"Os EUA perderam a guerra no Afeganistão. O Taleban está aí, mais forte do que nunca. Isso é o que eles não aceitam que eu diga. Por isso me acusam de ligação com terrorismo."
A ação acabou não vingando, mas Gul está na lista negra do terror dos EUA. "Não me importo. Continuo apoiando o Taleban, que é legítimo e luta contra uma ocupação estrangeira. Deste lado da fronteira, contudo, os grupos estão fora de controle e precisam ser chamados a conversar. Não serem atacados", disse durante conversa por telefone na terça.
Em 2001, ele errou a previsão de que o Taleban resistiria aos ataques americanos, mas acertou ao dizer que no longo prazo estaria reagrupado.
Ele rejeita o rótulo de "pai do Taleban", que por vezes aparece na mídia americana. "Não é possível ser pai de algo que surgiu sozinho", diz ele.
Ironicamente, Gul era um dos maiores aliados dos EUA quando interessou a Washington que a ditadura de Zia ul-Haq apoiasse a "jihad" contra os soviéticos no Afeganistão. Data dessa época boa parte dos acordos de cooperação militar, além do grande influxo de armas e dinheiro pela porosa fronteira dos dois países.
Mas Gul, dizem seus apoiadores, se sentiu traído quando os americanos caíram fora após verem Moscou ser humilhada pelos mujahedin. E viu o dedo de Washington na até hoje misteriosa morte de Zia em um acidente de avião em 1988.
Gul é figura polêmica. Um protegido seu, o então presidente Pervez Musharraf, acabou mandando prendê-lo quando juntou-se a uma passeata pedindo a reinstalação do chefe do Judiciário em 2008. "Mais um ditador, só isso", é o que comenta sobre o general hoje exilado em Londres.
Considera o atual presidente, Asif Ali Zardari, "um fraco". Foi acusado por ele de ser um "ideólogo político do terror". A mulher de Zardari, a premiê Benazir Buttho, disse pouco antes de ser assassinada, em 2007, que Gul queria matá-la.
Seu islã militante não contrasta com o fato de o Taleban usar o dinheiro do tráfico de drogas? "O Taleban acabou com o tráfico no Afeganistão entre 1996 e 2001. Hoje, o país é o maior exportador de heroína e ópio do mundo. Os traficantes principais não são do Taleban, mas os governadores como o irmão do presidente Hamid Karzai. O Taleban cobra pedágio dessa gente, o que é diferente", diz.
A versão de Gul é verdadeira, embora não responda sobre a associação do Taleban com os traficantes que antes combatia e desconsidere os relatos de que os terroristas estão também cultivando papoulas. Tanto que os EUA declararam que tão importante quanto pegar os líderes insurgentes é atacar os 50 maiores traficantes afegãos -são US$ 5 bilhões anuais saídos do comércio de drogas.
Sobre a eleição afegã, Gul diz ver "uma farsa". E prevê dias difíceis para a capital do país. "Enquanto os aliados pressionam o sul do Afeganistão, eu sei que o Taleban está se reforçando no norte e no leste do país. Eles estão marchando em direção a Cabul", diz.
E qual o futuro da região, em sua opinião? "O Afeganistão será novamente abandonado. Não sei se o Taleban irá voltar ao poder sozinho, acho mais provável uma acomodação com as várias facções. O Paquistão continuará sendo uma marionete americana, se nada mudar." (IGOR GIELOW)


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