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Para mentor do Taleban, grupo "já ganhou"
Na lista do terror dos EUA, Hamid Gul diz que Taleban é "legítimo" por lutar contra ocupação e "está mais forte do que nunca"
General da reserva qualifica eleição no Afeganistão de "farsa" e diz que país será abandonado novamente e Taleban voltará ao poder
DO ENVIADO A CABUL
Para o homem que os EUA
acusam de ser o mentor intelectual do Taleban, o grupo
fundamentalista "já ganhou a
guerra contra o Ocidente" no
Afeganistão.
Trata-se do general da reserva Hamid Gul, um militar que
ajudou a implementar a islamização do Paquistão durante a
ditadura de Zia ul-Haq (1977-88). Serviu diretamente ao ditador quando ele era um general nos anos 70, virou seu braço-direito e foi nomeado chefe
do poderoso ISI, o serviço secreto paquistanês.
Ficou no cargo entre 1987 e
1989 e ajudou a fomentar os
grupos militantes que lutam
contra a Índia pelo controle da
Caxemira. Depois, fora do cargo, foi um dos mentores do Taleban -que recrutou jovens
afegãos e paquistaneses em escolas religiosas das áreas tribais
do Paquistão para praticamente vencer a guerra civil que engoliu o Afeganistão de 92 a 96.
O general critica Islamabad
por seu ataque contra o Taleban paquistanês nas áreas tribais. "O Paquistão está lutando
agora mais uma guerra para a
agenda americana. Novamente, irá pagar o preço por matar
seus cidadãos", diz.
Gul é antiamericano até as
raias da paranoia. Já em 2001,
em uma conversa com a Folha,
sustentava que o 11 de Setembro fora fabricado pela CIA.
Ainda hoje, ele é considerado
pelos EUA e pela Índia como
um dos mais influentes nomes
do islã militante no mundo, e,
em 2008, Washington o incluiu
numa lista enviada à ONU de
quatro pessoas para serem declaradas párias internacionais.
"Os EUA perderam a guerra
no Afeganistão. O Taleban está
aí, mais forte do que nunca. Isso é o que eles não aceitam que
eu diga. Por isso me acusam de
ligação com terrorismo."
A ação acabou não vingando,
mas Gul está na lista negra do
terror dos EUA. "Não me importo. Continuo apoiando o
Taleban, que é legítimo e luta
contra uma ocupação estrangeira. Deste lado da fronteira,
contudo, os grupos estão fora
de controle e precisam ser chamados a conversar. Não serem
atacados", disse durante conversa por telefone na terça.
Em 2001, ele errou a previsão de que o Taleban resistiria
aos ataques americanos, mas
acertou ao dizer que no longo
prazo estaria reagrupado.
Ele rejeita o rótulo de "pai do
Taleban", que por vezes aparece na mídia americana. "Não é
possível ser pai de algo que surgiu sozinho", diz ele.
Ironicamente, Gul era um
dos maiores aliados dos EUA
quando interessou a Washington que a ditadura de Zia ul-Haq apoiasse a "jihad" contra
os soviéticos no Afeganistão.
Data dessa época boa parte dos
acordos de cooperação militar,
além do grande influxo de armas e dinheiro pela porosa
fronteira dos dois países.
Mas Gul, dizem seus apoiadores, se sentiu traído quando
os americanos caíram fora após
verem Moscou ser humilhada
pelos mujahedin. E viu o dedo
de Washington na até hoje misteriosa morte de Zia em um
acidente de avião em 1988.
Gul é figura polêmica. Um
protegido seu, o então presidente Pervez Musharraf, acabou mandando prendê-lo
quando juntou-se a uma passeata pedindo a reinstalação do
chefe do Judiciário em 2008.
"Mais um ditador, só isso", é o
que comenta sobre o general
hoje exilado em Londres.
Considera o atual presidente, Asif Ali Zardari, "um fraco".
Foi acusado por ele de ser um
"ideólogo político do terror". A
mulher de Zardari, a premiê
Benazir Buttho, disse pouco
antes de ser assassinada, em
2007, que Gul queria matá-la.
Seu islã militante não contrasta com o fato de o Taleban
usar o dinheiro do tráfico de
drogas? "O Taleban acabou
com o tráfico no Afeganistão
entre 1996 e 2001. Hoje, o país
é o maior exportador de heroína e ópio do mundo. Os traficantes principais não são do
Taleban, mas os governadores
como o irmão do presidente
Hamid Karzai. O Taleban cobra pedágio dessa gente, o que
é diferente", diz.
A versão de Gul é verdadeira,
embora não responda sobre a
associação do Taleban com os
traficantes que antes combatia
e desconsidere os relatos de
que os terroristas estão também cultivando papoulas. Tanto que os EUA declararam que
tão importante quanto pegar
os líderes insurgentes é atacar
os 50 maiores traficantes afegãos -são US$ 5 bilhões anuais
saídos do comércio de drogas.
Sobre a eleição afegã, Gul diz
ver "uma farsa". E prevê dias
difíceis para a capital do país.
"Enquanto os aliados pressionam o sul do Afeganistão, eu
sei que o Taleban está se reforçando no norte e no leste do
país. Eles estão marchando em
direção a Cabul", diz.
E qual o futuro da região, em
sua opinião? "O Afeganistão será novamente abandonado.
Não sei se o Taleban irá voltar
ao poder sozinho, acho mais
provável uma acomodação
com as várias facções. O Paquistão continuará sendo uma
marionete americana, se nada
mudar."
(IGOR GIELOW)
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