São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

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PÓS-APARTHEID

Cresce ressentimento com enriquecimento de figuras privilegiadas que têm boas relações com governantes

Elite negra sul-africana causa tensão social

JOHN REED
DO "FINANCIAL TIMES'

Dez anos depois do final do apartheid, a minoria branca da África do Sul continua a controlar a economia do país. Mas a reação contra o pequeno grupo de empresários recentemente enriquecidos, conhecidos como "magnatas do poder econômico negro", começa a se intensificar.
O Congresso Nacional Africano (CNA), partido governante, é o arquiteto e um dos principais defensores da idéia de promover o crescimento do poder econômico negro para realinhar a economia do país, distorcida em termos raciais. Mas vem crescendo o ressentimento, dentro e fora da elite governante, com o que alguns críticos classificam de enriquecimento econômico negro de apenas algumas figuras dotadas de boas conexões políticas.
O CNA colocou o reforço do poderio econômico negro no topo de sua agenda, devido à preocupação causada, nas palavras do secretário-geral do partido, Kgalema Motlanthe, pelo fato de "que vemos alguns nomes mencionados em todas as transações".
As empresas que antigamente cortejavam os magnatas enquanto corriam para cumprir as metas estabelecidas pelo programa começaram a rejeitá-los, como a terceira maior produtora mundial de platina, Lonmin. A imprensa contribuiu, com reportagem sobre brancos que se aproveitam do programa de ampliação do poder econômico negro, adquirindo riqueza rapidamente com as transações. Smuts Ngonyama, porta-voz do CNA, diz que "muitas pessoas se beneficiaram, mas houve uma concentração perceptível dos esforços de ampliação do poder econômico em torno de algumas pessoas".
A reação pode ter implicações políticas, à medida que o presidente Thabo Mbeki dá início ao seu segundo e -último- mandato de cinco anos. Três magnatas que servem na executiva nacional do CNA -Cyril Ramaphosa, Tokyo Sexwale e Saki Macozoma- são vistos como possíveis candidatos a sucedê-lo.

Bode expiatório
As grandes empresas jamais foram muito populares junto a boa parte do CNA, e seus aliados sindicalistas e comunistas. Agora, eles têm um novo alvo e bode expiatório, na forma dos magnatas negros. Reg Rumney, da BusinessMap Foundation, uma organização de pesquisa econômica, diz que "não se pode criar empresas negras fortes a menos que haja pessoas com dinheiro".
Poucas figuras públicas na África do Sul se opõem abertamente ao princípio da ampliação do poder econômico negro, dadas as desigualdades na distribuição de riqueza, relacionadas à raça. Essa política é vista como essencial para o relaxamento das tensões raciais, e para garantir a futura estabilidade do país. Mas o processo criou novas causas de fricção.
Sob pressão do governo, as mineradoras, bancos e outros setores adotaram programas com o objetivo de beneficiar grupos historicamente prejudicados. O banco Absa escolheu Sexwale, que também tem interesses em mineração, energia e transportes, para liderar um consórcio que controlará 10% de seu capital. O concorrente Standard Bank se aliou ao consórcio liderado por Macozoma e Ramaphosa, um sindicalista que se tornou empresário.
Mas a maioria dos negros não avançou muito economicamente com relação à situação em que viviam durante o apartheid. Empresas controladas por negros continuam a responder por apenas 4% da capitalização na bolsa de Johannesburgo, de acordo com a BusinessMap.
A política de ampliação do poderio econômico negro também teve algumas conseqüências inesperadas. Mbeki se queixou de que empresas brancas estavam usando executivos negros que ocupam cargos simbólicos como "fachada" para conquistar contratos públicos. Os brancos, incluindo executivos do grupo de telefonia móvel MTN e da Mvelaphanda Holdings, de Sexwale, se beneficiaram de algumas das maiores transações realizadas nos termos da política. O fenômeno levou um jornalista a criar o acrônimo "Bhapas", que traduzido significa "privilegiados tanto histórica quanto atualmente".
Alguns analistas acreditam que os magnatas venham sendo atacados injustamente. Os jovens negros precisam de modelos, dizem, para que um dia possam se tornar o equivalente dos "Randlords", que construíram o moderno capitalismo sul-africano.
Com dívidas pesadas, nenhum dos magnatas negros tem fortuna nem próxima à dos sul-africanos brancos mais ricos, ou à dos oligarcas russos que prosperaram explorando suas conexões com o Kremlin. Moeleti Mbeki, empresário e analista independente, diz que "todos os chamados magnatas são peixes pequenos. Recebem honorários das grandes empresas para lhes proteger os interesses".
Mas, ao reconhecer a crescente reação contra a política de ampliação do poder econômico negro, em sua forma atual, o governo e as empresas começaram a enfatizar medidas mais amplas de promoção da prosperidade para os negros. A Lonmin, quando vendeu 18% de suas operações de platina a um consórcio, alega ter rejeitado ofertas de magnatas conhecidos em favor de uma estrutura controlada por funcionários e por pequenos grupos de investimento negros.


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