São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005 |
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IRAQUE SOB TUTELA Julgamento de ex-ditador começa na quarta, em meio a polêmica e bancado por US$ 75 mi dos EUA Saddam volta a Bagdá, agora como réu
SÉRGIO DÁVILA
Ao longo das sessões, a defesa dirá que, como presidente do Iraque à época, Saddam tinha imunidade segundo a Constituição de então, e não se pode retroagir uma legislação para remover tal imunidade. Dirá também que os mortos eram considerados culpados pela lei iraquiana, e que o ex-ditador só assinou as sentenças. Do outro lado, comandando a sessão, o juiz Raad Jouhi, que contará com a ajuda de quatro colegas na tarefa. Ele e todos os que servirão na corte foram treinados e instruídos por membros do Ministério da Justiça norte-americano, lotados num departamento da embaixada norte-americana, e por luminares de escolas de direito dos EUA e do Reino Unido. Estes ofereceram diversas opções de estratégia e chegaram ao ponto de fazer vários julgamentos-teste. Um time de centenas de pessoas conseguiu escanear e estudar quilômetros de potenciais provas. Além disso, membros da administração Bush fizeram lobby pela aprovação na Constituição provisória em vigor de leis que não permitem que o ex-ditador represente a si mesmo. Haverá transmissão por TV, mas com um atraso provável de 20 minutos, para censurar qualquer incitamento à violência por parte dos acusados, como um chamado aos insurgentes ou um apelo nacionalista. A idéia é evitar que o ex-ditador aproveite o palco para se tornar um mártir. De qualquer maneira, no primeiro dia ele não terá a palavra. Os problemas Além do treinamento e do fato de Saddam ter passado 22 meses preso, sem ouvir uma acusação formal, há alguns problemas no processo. O primeiro foi levantado por entidades como o Human Rights Watch: por que o julgamento não acontece fora do país ou pelo menos por um tribunal misto, com ocorreu em Nuremberg após a Segunda Guerra? Porque os iraquianos estão preparados para lidar com o caso, diz o presidente iraquiano, Jalal Talabani, e porque o presidente norte-americano, George W. Bush, havia prometido ao povo daquele país que o ex-ditador seria julgado em solo iraquiano, por iraquianos -é a resposta oficial. Outro senão é o caso escolhido para iniciar os trabalhos. Saddam é o principal acusado em mais de 20 casos tenebrosos, o mais significativo deles a chamada Campanha de Anfal, um genocídio em que mais de 100 mil curdos foram mortos a mando do governo, muitos com gás venenoso. Este deveria ser o primeiro, dizem especialistas críticos ao processo. Comecem com um caso pequeno, disse Richard Dicker, do International Justice Program de Nova York, e a população mundial e a mídia estarão saturadas e desinteressadas quando os piores horrores vierem à tona, daqui a alguns meses ou mesmo anos. O juiz Jouhi se defende dizendo que este é o caso "mais fácil", no sentido de que as provas e testemunhas possíveis já foram encontradas. Se todas as acusações fossem unificadas, afirma, o julgamento poderia se arrastar por anos, como acontece com o do ex-presidente iugoslavo Slobodan Misolevic, na Corte desde 2002. A oposição sunita retruca dizendo que o plano é condenar Saddam (sunita) antes das eleições de 15 de dezembro, o que beneficiaria xiitas e curdos. Eis outro caso delicado: a condenação. Se pegar a pena máxima, segundo prevê a Constituição em vigor, Saddam pode ser condenado à prisão perpétua ou à forca. Caso isso aconteça -e há 99% de chance-, seu time pode recorrer em várias instâncias. Terminada a última, porém, a sentença tem de ser cumprida em 30 dias, mesmo se o condenado estiver na época respondendo por outros processos. Ou seja, Saddam pode se livrar, morrendo, de assumir culpas maiores. Mais: se completar 70 anos antes da condenação, a lei proíbe que a pena de morte seja aplicada. Ele tem 68. Seja em dias, semanas ou meses, o fato é que saberemos se, a exemplo da sentença que a escritora Hannah Arendt gostaria que os juízes tivessem dado ao criminoso nazista Adolf Eichmann, em 1961, conforme relata em "Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal", os iraquianos concluirão que "nenhum membro da raça humana haverá de querer partilhar a Terra" com Saddam Hussein, e por isso ele merecerá a forca. Em sua defesa, diferentemente de Eichmann em Jerusalém, o ex-ditador não poderá responder que apenas "seguia ordens". Texto Anterior: Iraquianos votam em massa sobre Constituição Próximo Texto: A favor Índice |
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