São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
"Nossos corpos consumiam a si mesmos" Fragmentos de histórias de fome, dor e desespero começam a ser contados pelos resgatados da mina no Chile Dos 33 trabalhadores, 31 já deixaram hospital de Copiapó; dois ainda estavam em observação até a noite de ontem
LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE) Na noite de ontem, um total de 31 mineiros já tinham recebido alta médica do Hospital Regional de Copiapó. Permaneceram em observação dois -um deles seria o showman dos soterrados, o "mestre de cerimônias" e animador da turma, Mario Sepúlveda, 40, eletricista. "Super Mario", como a imprensa chilena o denominou, foi o segundo homem a ser resgatado. Chegou gritando à superfície, abraçou o presidente Sebastián Piñera, dançou e distribuiu pedras do fundo da mina. Ontem, a diretora do Serviço de Saúde de Atacama, Paola Neumann, disse que um mineiro está com vertigens -"síndrome vertiginosa", disse. Outro mineiro, também não identificado, teria problemas dentários. Os 28 mineiros que saíram ontem, juntando-se aos três que já tinham voltado para casa na quinta-feira, estavam sem óculos de proteção. Não falaram com a imprensa na saída do hospital. SONS DE ESPÍRITOS Aos poucos, os 33 trabalhadores que passaram entre 69 e 70 dias soterrados na mina San José começam a soltar fragmentos das histórias de fome, dor e desespero que viveram debaixo da terra. E das iniciativas que tomaram para tentar sobreviver. Depois dos desabamentos que fecharam todas as saídas da mina (5 de agosto), eles providenciaram novas explosões -controladas- para tentar chamar a atenção de quem estivesse na superfície, acelerando sua localização. O mecânico Richard Villarroel, 27, teve a ideia de queimar os pneus dos veículos de transporte que ficaram presos na mina -a fumaça saindo pelas frestas da montanha poderia orientar os resgatistas na superfície. Também se tentou chamar a atenção tocando as buzinas. Ao jornal inglês "The Guardian", um homem que trabalhou no resgate disse que chegou a escutar as buzinas dentro da San José. Mas que seus colegas reagiram, dizendo que o som "era das almas dos mineiros mortos". Ele desistiu de insistir. Nos relatos, a palavra "fome" -fome de matar- é onipresente. No total, contabilizaram-se três dias completos sem a ingestão de alimento. "Nossos corpos consumiam a si mesmos. Ficávamos cada vez mais fracos", disse Villarroel. Os 33 tentaram economizar um suprimento de leite, mas o calor e a umidade não contribuíram. O que não foi bebido perdeu-se, estragado, segundo Darío Segovia, 48, operador de máquina. Canibalismo é palavra proibida nos relatos. "Essa coisa só apareceu em nossas conversas depois de termos sido encontrados, no dia 22 de agosto. E como uma brincadeira", disse Villarroel, que perdeu 12 kg. Quando a mina desabou, uma imensa onda de poeira impediu os mineiros de enxergar por seis horas. A água potável acabou nos primeiros dias. Quando restavam apenas 10 litros, o chefe de turno e líder do grupo, Luís Urzúa, 54, topógrafo, propôs que, a partir dali, beberiam água dos tambores. "Contaminada com óleo combustível, logo, muitos estavam com dores de estômago e diarreias. Estavam intoxicados", disse Segovia. O líder Urzúa contou que "governou" os soterrados com base na democracia. Era um homem, um voto, a maioria decidia. Texto Anterior: FOLHA.com Próximo Texto: Frase Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |