São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2011

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CLÓVIS ROSSI

A mal contada história do complô


Há sérias inconsistências no relato até agora feito pelos EUA sobre o terrorismo iraniano


O que mais chama a atenção na denúncia do governo norte-americano a respeito do complô iraniano para matar o embaixador saudita em Washington não são as lacunas evidentes e que os próprios norte-americanos teriam admitido a diplomatas brasileiros, conforme afirmações do chanceler Antonio Patriota a Cláudia Antunes, desta Folha.
Intriga mais ainda a maneira desenvolta com que um o usualmente cauteloso Barack Obama expressou a convicção de que o governo do Irã está, sim, envolvido.
Obama arrisca-se a ser desmoralizado, se se verificar amanhã ou depois que a denúncia é falsa ou inconsistente.
E há pelo menos um especialista que encontrou não uma mas várias inconsistências na história. Chama-se Kenneth Katzman e é funcionário do Congressional Research Service do Congresso dos Estados Unidos, um espetacular serviço de pesquisas capaz de produzir dossiês da melhor qualidade -e sem viés republicano ou democrata- sobre infinita variedade de assuntos.
Diz Katzman: "Há vários dimensões [na denúncia] que parecem não se adequar ao que é sabido a respeito da maneira como o Irã conduz ataques terroristas, a maneira como decidem sobre ataques terroristas e como os implementam".
A principal inconsistência é o suposto uso de um cartel mexicano de drogas para levar adiante o ataque. O especialista do CRS diz que o Irã nunca terceirizou atentados para grupos com os quais não tem familiaridade, menos ainda para grupos não-muçulmanos.
Katzman não discute a eventual pré-disposição do governo iraniano para praticar atos terroristas, inclusive em território norte-americano, até porque menciona um precedente: o assassinato, em 1980, de Ali Tabatabai, que havia sido assessor de imprensa da embaixada iraniana em Washington no tempo do xá.
O que ele contesta, com argumentos que parecem sólidos, é que a história que sendo contada, da forma como está sendo contada, demonstre que o plano de matar o embaixador saudita tenha sido concebido e aprovado pelas mais altas instâncias do regime iraniano.
Esse é o ponto crucial. Uma coisa é um governo planejar um atentado e outra, grave, mas menos grave, é instâncias inferiores, em especial dos serviços de segurança, armarem um complô do gênero. Obama está dizendo que sim, que o complô vem de cima, o que, se verdadeiro, daria razão para isolar ainda mais o regime dos aiatolás.
Katzman e outros especialistas supõem, no entanto, que a ideia possa ter sido trabalhada em algum escaninho da complexa estrutura de poder do Irã, sem chegar às esferas mais altas.
A única coisa lógica na história, sempre segundo o especialista, é o suposto alvo, o embaixador saudita. "Há claramente uma competição estratégica ou pior entre os dois países, de forma que o Irã tratar de ferir os sauditas é algo que faz sentido", diz.
O governo norte-americano diz ter provas e anuncia que se dispõe a apresentá-las. É fundamental porque, com o que se sabe até agora, o único preso, Manssor Arbabsiar, está mais para agente 86 do que para 007, se Moisés Naím me perdoar por contestá-lo.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Rubens Ricupero



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