São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA/ OS DESAFIOS

Expectativas infladas espreitam Obama

Crise econômica deve limitar concretização das promessas do democrata, que já tirou programa original do site da transição

Mesmo sem fazer nada, eleito já tem apoio maior do que o seu eleitorado; primeiras medidas definem governo, alertam analistas


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Barack Obama assume a Casa Branca em 65 dias com expectativas grandes e desafios maiores. A equação costuma resultar em decepção e pode ser resumida numa diferença: 53% dos eleitores votaram nele no dia 4 de novembro; no último levantamento pós-eleição do Gallup, feito entre os dias 11 e 13 num universo similar ao eleitoral, 69% acreditavam que ele faria um bom governo.
Quer dizer, sem fazer nada, o democrata já agrada um grupo de pessoas 16 pontos percentuais maior do que o que o elegeu. E o que ele tem de fazer é debelar a maior crise econômica do país em décadas, para só então implantar sua agenda.
Terá de fazer isso levando nos ombros dívida nacional de US$ 10,5 trilhões, desemprego de 6,9% e déficit público que deve passar do US$ 1 trilhão -quase o PIB do Brasil.
Um bom exemplo do choque de realidade que o candidato teve ao virar presidente eleito pôde ser visto pela mudança de suas prioridades. Na véspera da eleição, Obama disse a duas emissoras de TV que cinco seriam os temas domésticos prioritários de seu governo: corte de impostos para a classe média; independência energética; saúde pública universal; reestruturação do código tributário; e reforma educacional.
Em condições normais, as metas já eram quase inatingíveis. Para ficar só na de política energética, a idéia era livrar em dez anos os Estados Unidos, dependentes de petróleo importado, de comprar o produto do Oriente Médio e da Venezuela. Incentivos federais e novos carros consumindo energia limpa pagariam essa conta.

Mudança no site
Mas isso foi antes de ser eleito. Só que a economia do país vem se deteriorando a cada minuto. Três dias depois da eleição, em sua primeira entrevista coletiva, Obama já falava em resgatar a indústria automotiva, que muitos dizem estar em situação pré-falimentar, assunto que nem sequer constava de seu programa. Anteontem, seus assessores já diziam que o presidente eleito deve indicar um "czar das montadoras", um cargo a ser criado.
Nenhum político cumpre todas as promessas de campanha, mas estas servem para nortear a ação do eleito em seus primeiros dias no cargo. Um dos sinais de que talvez nem isso seja possível a Obama quando chegar o dia da posse, em 20 de janeiro, é uma mudança pouco anunciada que aconteceu no site oficial da transição presidencial, o www.change.gov.
Assim que entrou no ar, quatro dias depois da eleição, trazia um link para todas as propostas de Obama para as principais áreas, milhares de páginas detalhadas que iam de "Pondo fim à Guerra do Iraque" a "Saúde pública para todos, de "Lidando com Irã" a "Nova parceria para as Américas".
Há quatro dias, os links e as páginas sumiram. No lugar, entrou um texto vago de cem palavras, que diz que "a prioridade é um plano para reviver nossa economia (...), entre muitos outros objetivos domésticos e externos" . Indagado sobre a mudança, Nick Shapiro, um dos porta-vozes da transição, disse apenas que "o site está sendo reformado".

Mandato popular
Apesar dos desafios, Obama chegará ao Salão Oval da Casa Branca com 67 milhões de votos. "É o respaldo do mandato popular", diz Michael Genovese, cientista político da Universidade Loyola Marymount, da Califórnia. "Mas esse saldo é fluido, e o que você faz com ele definirá sua Presidência."
Para o diretor do Instituto de Lideranças Políticas e autor ou co-autor de 16 livros sobre Presidência americana, por mais que a situação econômica exija e a ambição sugira, o novo presidente tem de se concentrar em dois ou três temas e basear o começo de seu mandato neles. "Se for bem-sucedido nesses temas, passará a mensagem de que a sua é uma administração bem-sucedida em geral."
Com ele concorda Paul Light, especialista em transições presidenciais da Universidade de Nova York. Obama estava planejando "uma das maiores agendas legislativas da história moderna". "Ele prometeu isso, e o público espera isso. Mas, se o passado é guia, sua agenda terminará sendo uma das menores desde os anos 60."
Além da crise econômica, que limitará o raio de ação do presidente eleito, o estudioso aponta a tendência histórica. "Lyndon Johnson mandou 91 grandes propostas domésticas/econômicas ao Congresso em seu primeiro ano, Jimmy Carter mandou 41 e Bill Clinton, apenas 33", contabiliza, apontando os últimos três presidentes democratas. O mesmo vale para os republicanos, diz: Richard Nixon mandou 40 propostas, Ronald Reagan, 29, Bush pai, 23, e Bush filho, 18.

Superpropostas
Os números são mais modestos quando se tratam do que Light chama de "superpropostas", na linha das que moldaram o New Deal de Franklin Roosevelt e que Obama prometeu retomar. "Caíram de 50 no primeiro ano de Lyndon Johnson para um décimo disso no primeiro mandato de Bush."
Pode ser que a retirada das milhares de páginas do programa do site de transição do presidente eleito seja um sinal de que o Obama 2009 será menos abrangente e mais enxuto do que o Obama 2007 e 2008, o dos debates e comícios.
O republicano Ronald Reagan (1981-1989), citado por Obama como um exemplo tanto de transição como de comportamento nos primeiros cem dias de governo, passou seu primeiro trimestre no cargo preocupado com dois assuntos: cortar impostos e aumentar gastos militares. Os temas definiriam sua gestão.


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