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SUCESSÃO NOS EUA/ OS DESAFIOS
Expectativas infladas espreitam Obama
Crise econômica deve limitar concretização das promessas do democrata, que já tirou programa original do site da transição
Mesmo sem fazer nada, eleito já tem apoio maior
do que o seu eleitorado; primeiras medidas definem governo, alertam analistas
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Barack Obama assume a Casa Branca em 65 dias com expectativas grandes e desafios
maiores. A equação costuma
resultar em decepção e pode
ser resumida numa diferença:
53% dos eleitores votaram nele
no dia 4 de novembro; no último levantamento pós-eleição
do Gallup, feito entre os dias 11
e 13 num universo similar ao
eleitoral, 69% acreditavam que
ele faria um bom governo.
Quer dizer, sem fazer nada, o
democrata já agrada um grupo
de pessoas 16 pontos percentuais maior do que o que o elegeu. E o que ele tem de fazer é
debelar a maior crise econômica do país em décadas, para só
então implantar sua agenda.
Terá de fazer isso levando
nos ombros dívida nacional de
US$ 10,5 trilhões, desemprego
de 6,9% e déficit público que
deve passar do US$ 1 trilhão
-quase o PIB do Brasil.
Um bom exemplo do choque
de realidade que o candidato
teve ao virar presidente eleito
pôde ser visto pela mudança de
suas prioridades. Na véspera da
eleição, Obama disse a duas
emissoras de TV que cinco seriam os temas domésticos prioritários de seu governo: corte
de impostos para a classe média; independência energética;
saúde pública universal; reestruturação do código tributário; e reforma educacional.
Em condições normais, as
metas já eram quase inatingíveis. Para ficar só na de política
energética, a idéia era livrar em
dez anos os Estados Unidos, dependentes de petróleo importado, de comprar o produto do
Oriente Médio e da Venezuela.
Incentivos federais e novos
carros consumindo energia
limpa pagariam essa conta.
Mudança no site
Mas isso foi antes de ser eleito. Só que a economia do país
vem se deteriorando a cada minuto. Três dias depois da eleição, em sua primeira entrevista
coletiva, Obama já falava em
resgatar a indústria automotiva, que muitos dizem estar em
situação pré-falimentar, assunto que nem sequer constava de
seu programa. Anteontem,
seus assessores já diziam que o
presidente eleito deve indicar
um "czar das montadoras", um
cargo a ser criado.
Nenhum político cumpre todas as promessas de campanha,
mas estas servem para nortear
a ação do eleito em seus primeiros dias no cargo. Um dos sinais
de que talvez nem isso seja possível a Obama quando chegar o
dia da posse, em 20 de janeiro, é
uma mudança pouco anunciada que aconteceu no site oficial
da transição presidencial, o
www.change.gov.
Assim que entrou no ar, quatro dias depois da eleição, trazia
um link para todas as propostas
de Obama para as principais
áreas, milhares de páginas detalhadas que iam de "Pondo fim
à Guerra do Iraque" a "Saúde
pública para todos, de "Lidando
com Irã" a "Nova parceria para
as Américas".
Há quatro dias, os links e as
páginas sumiram. No lugar, entrou um texto vago de cem palavras, que diz que "a prioridade é um plano para reviver nossa economia (...), entre muitos
outros objetivos domésticos e
externos" . Indagado sobre a
mudança, Nick Shapiro, um
dos porta-vozes da transição,
disse apenas que "o site está
sendo reformado".
Mandato popular
Apesar dos desafios, Obama
chegará ao Salão Oval da Casa
Branca com 67 milhões de votos. "É o respaldo do mandato
popular", diz Michael Genovese, cientista político da Universidade Loyola Marymount, da
Califórnia. "Mas esse saldo é
fluido, e o que você faz com ele
definirá sua Presidência."
Para o diretor do Instituto de
Lideranças Políticas e autor ou
co-autor de 16 livros sobre Presidência americana, por mais
que a situação econômica exija
e a ambição sugira, o novo presidente tem de se concentrar
em dois ou três temas e basear
o começo de seu mandato neles. "Se for bem-sucedido nesses temas, passará a mensagem
de que a sua é uma administração bem-sucedida em geral."
Com ele concorda Paul Light,
especialista em transições presidenciais da Universidade de
Nova York. Obama estava planejando "uma das maiores
agendas legislativas da história
moderna". "Ele prometeu isso,
e o público espera isso. Mas, se
o passado é guia, sua agenda
terminará sendo uma das menores desde os anos 60."
Além da crise econômica,
que limitará o raio de ação do
presidente eleito, o estudioso
aponta a tendência histórica.
"Lyndon Johnson mandou 91
grandes propostas domésticas/econômicas ao Congresso
em seu primeiro ano, Jimmy
Carter mandou 41 e Bill Clinton, apenas 33", contabiliza,
apontando os últimos três presidentes democratas. O mesmo
vale para os republicanos, diz:
Richard Nixon mandou 40 propostas, Ronald Reagan, 29,
Bush pai, 23, e Bush filho, 18.
Superpropostas
Os números são mais modestos quando se tratam do que
Light chama de "superpropostas", na linha das que moldaram o New Deal de Franklin
Roosevelt e que Obama prometeu retomar. "Caíram de 50 no
primeiro ano de Lyndon Johnson para um décimo disso no
primeiro mandato de Bush."
Pode ser que a retirada das
milhares de páginas do programa do site de transição do presidente eleito seja um sinal de
que o Obama 2009 será menos
abrangente e mais enxuto do
que o Obama 2007 e 2008, o
dos debates e comícios.
O republicano Ronald Reagan (1981-1989), citado por
Obama como um exemplo tanto de transição como de comportamento nos primeiros cem
dias de governo, passou seu primeiro trimestre no cargo preocupado com dois assuntos: cortar impostos e aumentar gastos
militares. Os temas definiriam
sua gestão.
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