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SUCESSÃO NOS EUA / OS DESAFIOS
"Eleito deve evitar repetir Blair"
Para David Held, Obama deve priorizar agenda doméstica para que crise interna não sufoque a promessa de mudança
Especialista britânico em globalização defende que sob o novo governo EUA exerçam liderança "dentro das regras" e voltem a ouvir
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Um dos mais respeitados estudiosos da globalização, o professor da LSE (London School
of Economics and Political
Science) David Held afirma que
Barack Obama, 47, deve mirar
seus pensamentos através do
Atlântico, 11 anos no passado, e
se lembrar de Tony Blair, para
não cometer os mesmos erros.
Em 1997, aos 43, o premiê britânico também se elegeu com a
promessa de mudança, que
acabou soterrada pelas premências da tarefa de governar.
Co-diretor do Centro para
Estudo da Governança Global
da LSE, Held diz que o presidente eleito dos EUA deve
manter a liderança americana
global, mas agora dentro das regras. Pelo contraste, os oito áridos anos de George W. Bush
dão a Obama uma força inédita
nas últimas décadas.
Para Held, entre as primeiras
medidas do novo presidente
deveria estar a desistência do
escudo antimísseis perto da
Rússia. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.
FOLHA - George W. Bush quase
sempre colocou a opinião do resto
do mundo em segundo plano. O que
vai mudar com Barack Obama?
DAVID HELD - Obama é claramente um político excepcional
e uma pessoa especial, que, em
muitos aspectos, encarna o "sonho americano". Não há dúvidas de que ele acredita na negociação e no multilateralismo,
no diálogo. Definitivamente
não é um unilateralista. Mas
até agora tem sido um democrata bastante conservador,
que [no Senado] votou com seu
partido na maioria das questões. Precisamos ser cautelosos
com essa visão de que ele é um
novo radical norte-americano.
Tivemos oito anos de uma
política americana deprimente
e triste. A presidência de Bush
não só não se conectou com o
mundo ocidental de igual para
igual como perseguiu políticas
que foram destrutivas do mundo multilateral e enfraqueceram o reinado da lei. Contra esse pano de fundo, Obama parece muito bom. Um recado importante: lembre-se de 1997.
FOLHA - Por quê?
HELD - Um jovem político chegou ao poder no Reino Unido,
após 18 anos de governo conservador. Era muito charmoso,
radical, prometia mudança, era
um internacionalista. E muitas
das promessas progressistas
que fez jamais foram mantidas.
Esse político era Tony Blair.
Obama tem todas as promessas, o peso da história a seu lado
e possivelmente mais habilidade que qualquer um em muito
tempo para mudar o mundo.
Mas tem de se lembrar de Blair.
FOLHA - Ele herdará um mundo
complicado para o qual Bush e Blair
contribuíram.
HELD - Seu espaço para manobra é muito limitado. Com uma
enorme dívida pública e grandes problemas nas finanças
americanas, a capacidade de investir na área social será muito
limitada do lado doméstico.
No lado internacional, está
atolado em duas guerras e cercado de muitas áreas de extrema volatilidade: a fronteira Israel-Líbano, com o Hizbollah;
Israel com o Hamas; o Irã; a Coréia do Norte; e o Paquistão,
que está se desintegrando, com
uma bomba nuclear, o que o
torna ainda mais perigoso.
FOLHA - Em relação à Rússia, o que
ele deve fazer?
HELD - O que os EUA têm de
entender é que nos últimos
anos a Rússia se sentiu isolada e
atacada pelo mundo ocidental,
em situações das quais ela não
era culpada. Em segundo lugar,
a implantação do escudo antimísseis [pelos EUA] na porta
da Rússia [a Polônia aceitou receber mísseis interceptores, e a
República Tcheca, um radar] é
uma enorme provocação, e
Obama deveria desistir desses
planos assim que possível.
FOLHA - Nesse mundo multipolar,
onde ele deve focar?
HELD - Ele deve focar, antes de
tudo e com afinco, na agenda
doméstica. Os EUA estão com
graves problemas econômicos
e, a menos que ele arrume isso,
eles não vão estar em uma posição de fazer mais nada. Segundo, ele deve deixar claro que vai
se comprometer com seus aliados, com uma ordem multilateral, e fortalecê-la. Deve mandar
um sinal claro de que a América
quer liderar, dentro das regras.
FOLHA - E o Irã?
HELD - Obama é mais inclinado
a confiar na diplomacia por
mais tempo do que seus antecessores. É claro que não dá pra
saber 100% o que ele fará numa
situação extrema -há risco de
ele ser pressionado para ultrapassar um ponto muito complicado. Espero que ele se lembre
das lições de 1997 e dos limites
do poder americano. Não importa quão grande seja seu poder militar, ele não produz resultados positivos num mundo
complexo. Temos de nos ater à
negociação com base na lei.
FOLHA - Se fosse explicar a Obama:
por que os EUA precisam do mundo?
HELD - A política externa americana dos últimos anos fracassou. Os EUA tentaram se impor
ao resto do mundo e não funcionou. Iraque e Afeganistão
estão longe de uma solução. Os
erros do Iraque não devem ser
repetidos no Afeganistão. Não
pode haver vitória puramente
militar, e é um erro pôr mais recursos militares lá.
Os problemas mais complexos, de aquecimento global a
negociações comerciais, só podem ser resolvidos por coordenação internacional.
FOLHA - E por que ficar fora da reunião do G20 neste fim de semana?
HELD - Ele não tinha opção.
Sua voz será ouvida pela porta
dos fundos.
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