São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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EUA e França são atores ocultos do conflito

Franceses têm antiga disputa com líder de Ruanda, Paul Kagame, que apóia rebeldes tutsis no Congo e é aliado de americanos

Região dos Grandes Lagos africanos, rica em minérios e barreira da "guerra ao terror", é alvo de cobiça de interesses estrangeiros


MARINA MESEGUER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Antigo Zaire, dominado por 32 anos pela ditadura de Mobuto Sese Seko (1965-1997), a República Democrática do Congo é um Estado enfraquecido pela guerra civil que já deixou cerca de 5 milhões de mortos desde 1998 e é incapaz de controlar todo o seu território, alvo de cobiça de países e empresas estrangeiros e das elites locais.
"O Estado congolês é fraco; ele não tem presença verdadeira em todo o país", diz o coronel Jean-Paul Dietrich, porta-voz militar da Missão das Nações Unidas para o Congo (Monuc).
Além do Exército, das milícias aliadas aos militares e da milícia rebelde do general Nkunda -que representa interesses dos tutsis congoleses e do governo da vizinha Ruanda-, há, diz o coronel Dietrich, outros atores "internos e externos" implicados no conflito.
França e Estados Unidos lutam para exercer influência na região dos Grandes Lagos (que tem fronteiras com Ruanda, Burundi, Uganda, Congo, Tanzânia e Quênia), rica em recursos minerais. A França defende sua declinante penetração na "África francesa" e/ou francófona, enquanto os EUA ganham influência sobre ela: na Argélia, na Guiné Equatorial, na Costa do Marfim, em Ruanda.
Esta última é governada pelo tutsi Paul Kagame, que está em confronto com os franceses, aos quais acusou formalmente, em relatório divulgado em agosto, de cumplicidade no genocídio de 800 mil tutsis e hutus moderados em 1994.
A França, do seu lado, acusa Kagame, ex-chefe da guerrilheira Frente Patriótica Ruandesa, de envolvimento no atentado que derrubou o avião do presidente ruandês Juvénal Habyarimana, assassinato que em abril de 1994 desencadeou o genocídio.
A Alemanha recém-extraditou para julgamento na França a chefe de protocolo de Kagame, Rose Kabuye, acusada de participação no atentado contra Habyarimana, que tinha apoio político e militar francês. Com o agravamento da rebelião de Nkunda contra o governo congolês de Joseph Kabila, a França, na presidência da União Européia, propôs o envio de 1.500 homens à região, sem encontrar apoio no bloco.
"O Congo é o segundo maior país francófono do mundo, então há uma relação forte, tanto política quanto comercial [com a França]", diz o congolês Muzong Kodi, analista da Chatham House, de Londres. Os EUA são aliados de Ruanda e Uganda -onde ficava baseada a guerrilha de Kagame- e têm interesse no Congo por três razões: consolidar hegemonia regional (neste ano o país pôs em operação seu Comando Militar Africano), garantir investimentos para suas empresas (os EUA são, por exemplo, o maior comprador de mundial de coltan, mineral usado em componentes eletrônicos) e usar a região dos Grandes Lagos como tampão para frear o avanço do fundamentalismo islâmico no Sudão e na Somália.
A China também tem interesses no Congo. O país fechou um contrato com o governo congolês pelo qual se comprometia a fazer obras de infra-estrutura, recebendo em troca cobre e cobalto. Nkunda se opõe ao contrato.
Muzong Kodi, da Chatham House, diz que "a China não é um fator nessa guerra. A questão chinesa é apenas uma cortina de fumaça que Nkunda utiliza para ocultar sua motivação, que é expandir o controle das zonas de mineração na região".
As minas de cobre e de cobalto não ficam em Kivu, centro do atual conflito.


Tradução de CLARA ALLAIN


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