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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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Decisão sobre julgamento será política


Iraquianos, americanos e ONU expõem opiniões distintas sobre como o caso de Saddam Hussein deverá ser tratado legalmente


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Apesar de gravitar em torno de uma questão jurídica, a decisão sobre o futuro julgamento de Saddam Hussein será política no que se refere a qual país poderá julgá-lo e à data em que terão início as audiências do caso do ex-ditador.
As opiniões dos iraquianos, dos americanos e da ONU mostram que não será fácil decidir onde nem como ocorrerá o julgamento. O presidente do Conselho de Governo Iraquiano (CGI) -órgão criado pela Autoridade Provisória da Coalizão, que é comandada pelos EUA-, o líder xiita Abdul Aziz al Hakim, afirmou que Saddam deveria ser julgado pelo tribunal especial criado pelos iraquianos para julgar membros do regime deposto.
Já George W. Bush disse que buscaria trabalhar "com os iraquianos para desenvolver uma forma de julgá-lo que resista a um escrutínio internacional", porém não se mostrou contrário a uma eventual pena de morte, defendida pelos iraquianos. Todavia Kofi Annan salientou que, "como secretário-geral da ONU", não poderia apoiar uma corte que pudesse condenar Saddam à morte.
Mesmo o direito internacional não fornece respostas claras. Embora seja um prisioneiro de guerra -protegido pelas Convenções de Genebra (1949), podendo receber visitas da Cruz Vermelha-, ele não deverá ser julgado por crimes de guerra, mas por genocídio e crimes contra a humanidade cometidos no Iraque, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
"Há duas questões cruciais: quem tem o direito de julgar Saddam e por quais crimes? Seus crimes de guerra, mesmo os cometidos durante o conflito contra o Irã [1980-1988], não são tão graves quanto as violações aos direitos humanos cometidas por seus comandados contra as minorias iraquianas", analisou Allan Ryan, da Universidade Harvard (EUA).
"Afinal, ele atacou os curdos do norte do país com armas químicas em 1988 e esmagou a insurreição curda mais tarde com muita violência. Estima-se que 200 mil curdos tenham morrido, o que constitui um caso de genocídio. Ademais, houve a perseguição aos xiitas, que também causou cerca de 200 mil mortes", disse.
A questão mais espinhosa é, portanto, definir quem julgará o ex-ditador. Apesar de o CGI estar determinado a realizar o julgamento no Iraque, essa não é a única -nem a melhor- possibilidade, de acordo com Ryan.
"A corte iraquiana teria muita dificuldade em ser imparcial, pois a maioria de seus membros teve sua vida influenciada pelo regime de Saddam, além de não contar com um número suficientemente grande de especialistas em direito internacional", explicou Ryan.
"A outra possibilidade é criar um tribunal especial internacional para julgar os membros do regime deposto, como os que existem para julgar crimes cometidos na ex-Iugoslávia e em Ruanda."
Já Abe Sofaer, da Universidade Stanford (EUA), crê que "qualquer poder soberano" possa julgar seus criminosos. "A soberania iraquiana está nas mãos da coalizão, mas será devolvida aos iraquianos. Como o julgamento demorará para começar, já deverá existir um poder interino iraquiano quando ele tiver início", disse. De fato, segundo o cronograma atual, o poder deverá ser entregue aos iraquianos em julho de 2004.
Ryan lembrou que a vontade de Washington será decisiva. "Num julgamento internacional, a questão será menos politizada, havendo menos repercussão na mídia. Se quiserem expor à exaustão os crimes de Saddam, os EUA apoiarão a corte iraquiana, como parece ser o caso hoje", disse Ryan.
Contudo essa decisão poderia ser negativa para as aspirações eleitorais de Bush. Saddam poderia utilizar os holofotes para dizer que foram governos republicanos dos EUA que lhe permitiram usar armas químicas contra os curdos e iranianos e as convencionais contra os xiitas e os iranianos.


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