São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006

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Oposição e governistas se agridem na Bolívia

Embates em San Julián, que deixaram 20 feridos e dez carros destruídos, acirram tensões separatistas na região da meia lua

Ato contra Evo Morales, que visava reunir um milhão, atraiu dezenas de milhares; líder boliviano foi alvo de panfletos difamatórios

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ

Opositores e simpatizantes do presidente boliviano, Evo Morales, se enfrentaram ontem na cidade de San Julián, ao norte do departamento de Santa Cruz, deixando ao menos 20 feridos sem gravidade, além de dez carros destruídos.
Segundo relato da agência Efe baseado em fontes policiais, camponeses ligados ao MAS (Movimento ao Socialismo) bloquearam a rodovia que liga o norte do departamento à cidade de Santa Cruz para impedir a chegada de manifestantes da oposição para o evento de ontem à tarde.
Dos veículos destruídos, três pertenciam a pessoas que se dirigiam à manifestação, chamada de "cabildo", em alusão a reuniões realizadas na época colonial quando uma comunidade precisava tomar decisões importantes.
A maioria dos feridos foi atingida por pedras e teve ferimentos leves. Seis tiveram de ser transferidos a Santa Cruz por terem sido atingidos com mais gravidade.
O confronto acirrou ainda mais os ânimos para a realização de manifestações convocadas para serem realizadas simultaneamente ontem a partir das 16h por quatro governadores oposicionistas da chamada "meia lua", região geográfica formadas pelos departamentos das terras baixas bolivianas: Santa Cruz (leste), Tarija (sul) e os amazônicos Pando e Beni (norte).
Na manifestação de Santa Cruz, realizada diante de uma estátua de Jesus Cristo, grupos de música regional se revezavam no palco enquanto uma multidão vestida de verde e branco, as cores de Santa Cruz, chegava a pé, de carro, de ônibus ou em cima de caminhões.
A maioria usava camisetas com a palavra "autonomia" e o símbolo "2/3", em referência à disputa entre o governo e a oposição que tem atrasado os trabalhos da Assembléia Constituinte desde a sua instalação, no início de agosto.
Um das frases mais comuns era "2/3 é democracia", mas também havia camisetas com slogans como "Faço parte de uma nova república" ao lado de uma meia lua e a palavra "independência." Em carros, havia o mapa dos quatro departamentos ao lado da frase "meu país". Outro tema de camiseta eram alusões críticas ao presidente Evo Morales. A mais comum dizia "Evo te quer" ao lado de um dedo médio levantado.

Panfletos
O governo Morales foi também o principal alvo dos panfletos apócrifos distribuídos entre a multidão, que no final da tarde chegava a dezenas de milhares -o objetivo declarado dos organizadores era reunir um milhão em Santa Cruz.
Segundo um deles, o objetivo de Morales na Assembléia Legislativa era aprovar artigos como "eliminação da liberdade para professar cultos religiosos", "eliminação da propriedade privada", "obrigatoriedade do aprendizado do aimará", "eliminação de todo vestígio de oposição mediante a expulsão e o exílio de todos os opositores", entre outros.
Questionado pela Folha sobre quem os produzia, o funcionário de logística Javier Torres, 47, disse que era de um grupo de amigos simpatizantes do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, organização controlada por empresários locais.
A reportagem conversou com duas secretárias que trabalham para o governo departamental. Uma disse que gritaria "autonomia", e outra, "independência". "Autonomia ou independência, o que não quero é o que esse índio está fazendo conosco", disse a Alicia Ibañez, favorável à separação.
O rechaço a Morales era visto até entre as várias crianças presentes no evento. Um menino de não mais de seis anos perguntou: "E se partirmos a cabeça de Evo?", repetiu várias vezes, até que sua mãe respondeu: "Sim, com uma dinamite."

Sinalização
O governo sinalizou a realização de uma reunião de cúpula entre Morales e governadores oposicionistas, mas o encontro não estava confirmado ontem.
A crise política na Bolívia vem se acirrando desde que a bancada governista na Assembléia Constituinte passou a aprovação dos artigos constitucionais por maioria simples, com a exceção dos três considerados mais polêmicos, que precisariam de dois terços. O MAS (Movimento ao Socialismo) tem pouco mais da metade das cadeiras da Assembléia.
Os governadores rechaçam esse sistema e exigem que todos os artigos sejam votados por dois terços, como prevê a Lei de Convocatória, sancionada por Morales em março.


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