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Ex-pastor decola na campanha americana
Com retórica treinada no púlpito, Mike Huckabee surpreende e rouba a cena
Republicano, que tinha 3% em pesquisa em junho, já é primeiro colocado nos Estados que escolherão candidatos no próximo mês
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A DES MOINES (IOWA)
Há pouco mais de um mês,
quando a temperatura começava a cair em Iowa, Mike Huckabee visitou Des Moines, a capital. A parada é obrigatória para
os pré-candidatos à sucessão
presidencial nos EUA, pois o
Estado é o primeiro a escolher
os representantes de cada partido, no dia 3 de janeiro.
Pouca gente se interessou
pelo ex-governador do Arkansas de 52 anos, amante dos trocadilhos, com jeito de matuto,
forte sotaque sulista e todos os
trejeitos de púlpito de onde
pregou como pastor batista de
1980 a 1992. Só se falava de outro ex-governador, Mitt Romney, do Massachusetts, entre os
republicanos, e da senadora democrata Hillary Clinton.
"Eu mal sabia pronunciar o
sobrenome dele", conta à Folha Kent Young, morador de
Des Moines que empresaria o
filho em corridas de motocross.
Na semana passada, Young tinha não só aprendido a falar
Huckabee, de tanto que ouviu o
nome, como a repetir suas propostas, vindas "de alguém que
diz coisa com coisa".
O ex-governador saiu de virtualmente zero para primeiro
colocado nas pesquisas locais.
Nas últimas horas, o fenômeno
se repetiu em outros Estados
que votam em janeiro, no que
um analista apelidou de "Huckaboom". "É incrível", foi quase
tudo o que o próprio conseguiu
dizer na sala de imprensa depois do debate de quarta.
Correndo por fora, o ex-governador encarnou para essa
parte do eleitorado o que o ator
e ex-senador Fred Thompson
prometeu, mas não entregou, e
o que o ex-prefeito Rudolph
Giuliani tenta, mas não consegue: ser conservador o suficiente. Para tanto, contou com o
apoio decisivo da direita religiosa, que se encantou com um
candidato que não titubeia ao
falar desse assunto. "Minha fé
não só me influencia como me
define", diz ele em seu site. Em
1992, sugeriu que os infectados
com o vírus da Aids fossem isolados em quarentena. Durante
os anos em que foi vice-governador, recebia para fazer discursos de um escritório bancado pela indústria do tabaco.
No comando do Arkansas, lutou pela liberdade condicional
de um estuprador que, preso,
havia sido castrado por homens
mascarados (seus testículos,
em formol, ficaram meses na
mesa de um xerife, que perdeu
o cargo quando se descobriu o
troféu). Solto, o homem estuprou e matou de novo. "Se eu
pudesse, mudaria minha decisão", declarou Huckabee.
Até sua luta contra a balança
está sendo reexaminada. Ele
conta como perdeu os 50 quilos
em "Quit Digging Your Grave
with a Knife and Fork -A 12-Stop Program to End Bad Habits and Begin a Healthy Lifestyle" (pare de cavar sua cova
com garfo e faca -um programa de 12 paradas para acabar
com maus hábitos e começar
uma vida saudável). É um dos
sete livros que escreveu ou foi
co-autor, entre os quais três autobiografias.
Em seus discursos e entrevistas, Huckabee passa um ar de
simplicidade que pode ser lido
como falta de preparo. Há duas
semanas, instado a dar sua reação um dia depois de ter sido divulgada a nova estimativa de
inteligência americana que dizia que o Irã interrompeu seu
programa de armas nucleares
em 2003, Huckabee disse que
ainda não tinha ouvido falar do
documento.
Favoritismo
Pesquisas divulgadas anteontem, 48 horas depois do último debate de Iowa, davam
pela primeira vez que o candidato havia chegado ao primeiro
lugar também na Carolina do
Sul e na Flórida, Estados que
realizam primárias em janeiro.
Na primeira, feita pela CNN,
Huckabee passou de 3% em julho para os atuais 24%, um salto de 21 pontos em cinco meses.
Na segunda, um levantamento telefônico do instituto independente Rasmussen, o ex-governador aparece com 27% dos
votos, à frente de Mitt Romney
(23%) e destronando Rudolph
Giuliani (19%) num território
-a Flórida- em que até então
ele era considerado imbatível,
pela grande quantidade de aposentados nova-iorquinos que
vivem no Estado.
No mesmo dia, Huckabee
convocou a imprensa para
anunciar seu novo coordenador nacional de campanha. Será o veterano estrategista político Ed Rollins, ex-boxeador
amador e um dos arquitetos da
histórica reeleição de Ronald
Reagan em 1984, quando o presidente republicano foi o mais
votado em 49 dos 50 Estados.
Oito anos depois, Ed Rollins
veria seu candidato (o independente Ross Perot), perder para
um político jovem e ambicioso
que, como Huckabee, tinha
nascido na cidadezinha de Hope, no Arkansas, e fora governador daquele Estado por dois
mandatos. Era Bill Clinton.
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