São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Santa Cruz aclama texto que lhe dá poder de legislar

Estatuto aprovado por Assembléia Provisória deve acirrar relações com La Paz

Governo sinaliza que 1º alvo, "depois do Natal", será repasse de impostos de hidrocarbonetos; Beni também aprova autonomia

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ

No lançamento oficial do estatuto que pretende dar a Santa Cruz independência administrativa em relação ao governo Evo Morales, a Assembléia Autonômica Provisória, formada pelo governador, parlamentares nacionais e representantes municipais, declarou-se ontem com poder para criar leis para o departamento, o que deve aumentar ainda mais o nível de confrontação com La Paz.
Pela atual Constituição boliviana, os departamentos não podem legislar.
A competência para criar leis está nas disposições provisórias do Estatuto Autonômico aprovado nesta semana pelos políticos cruzenhos, cujo texto oficial revisado foi lido na Assembléia e aclamado ontem. O departamento oposicionista de Beni também aprovou seu estatuto, enquanto Tarija e Pando levaram adiante documentos semelhantes, que ignoram o novo texto constitucional aprovado por governistas e aliados.
O governador de Santa Cruz, Rubén Costas, confirmou que o corpo de 155 políticos do departamento que formam a Assembléia Provisória terá capacidade provisória para legislar, até que o estatuto em si seja implementado. Os dirigentes pretendem submeter o documento a um referendo no departamento, que, uma vez ratificado, prevê a convocação de eleições para governador e para a primeira Assembléia Legislativa departamental da história dos departamentos bolivianos.
O primeiro confronto direto entre o governo Evo Morales e a Assembléia cruzenha -que La Paz considera ilegal- devem ser os repasses às regiões do IDH (Imposto Direto dos Hidrocarbonetos). O governo nacional fez passar no Congresso boliviano lei que corta 30% dos recursos do tributo transferidos aos departamentos para financiar um benefício a idosos. A crise de Morales com os governadores opositores foi agravada pelo corte, que começa a vigorar em janeiro.
Questionado o que Santa Cruz faria a partir de janeiro, o governador Rubén Costas respondeu: "Vamos esperar passar o Natal primeiro". Para logo completar que a Assembléia Provisória, com capacidade legislativa, não vai permitir a redução dos recursos.

Festa e atentado
Foi dia de tensão controlada em Santa Cruz, diante dos rumores de que o governo nacional militarizaria a zona e declarações de que os cruzenhos "lutariam com a vida, se necessário". O único incidente maior, porém, até o fechamento desta edição, foi a detonação de um artefato explosivo no sexto andar do prédio que abriga o Tribunal de Justiça nacional.
Apesar de haver funcionários do prédio no momento, não houve feridos. E a Polícia Nacional descartou vinculação entre a suposta bomba e a crise política entre La Paz e Santa Cruz. A sessão da Assembléia Provisória não chegou a ser interrompida.
Na cerimônia oficial, tocou-se apenas o hino cruzenho e os discursos foram recheados de críticas à "tirania" do governo Evo Morales. Um padre benzeu o novo estatuto. Na nova Carta boliviana, que ainda vai a referendo, a religião católica deixa de ser a oficial do país.
Com bandeiras nas ruas e propagandas do movimento na TV com os dizeres "Já somos autônomos", a cidade comemorava como se o estatuto fosse de aplicação imediata. Haveria ainda uma festa no parque da cidade com todos os políticos.
Como os departamentos não têm polícia própria, a segurança na festa de ontem ficaria por conta da guarda departamental -que não pode usar armas- e dos integrantes da União Juvenil Cruzenha, espécie de braço executivo do movimento. Os jovens, que negam usar armas, são freqüentemente acusados de coagir a população a participar das manifestações. "Se for preciso, teremos armas para nos defender. Há uma grande tradição de ter armas aqui, uma tradição de caça", disse o presidente da União, David Cejas .
Santa Cruz é o mais rico departamento boliviano, responsável por 35% do PIB do país. Com o Estatuto Autonômico, os cruzenhos querem legislar sobre distribuição de terras e gás e petróleo.


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