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HAITI EM RUÍNAS
Embargo econômico após golpe de 1991 arruinou país de vez
Sanções mundiais em resposta a deposição deram cabo dos polos econômicos que sobreviveram à rapina dos Duvalier
País cresceu apenas 5% de 1990 a 2008, ante 82% da América Latina; crise de 1992-94 cortou 30% do PIB e arrasou com maquiladoras
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Haiti e República Dominicana dividem a ilha de Hispaniola. Em 1960, o valor do PIB per
capita dos dois países era quase
o mesmo, equivalente a um
quarto da média latino-americana. Em 2005, o PIB real per
capita da República Dominicana triplicara. O do Haiti fora reduzido quase pela metade. A
República Dominicana foi o
país da região que cresceu mais
rápido no período. O Haiti ficou
na lanterna. O economia haitiana cresceu apenas 5% de 1990 a
2008; a América Latina, 82%. O
que aconteceu no Haiti?
A pergunta e alguns dos dados constam de um estudo de
economistas do FMI, Laura Jaramillo e Cemile Sancak ("Por
que a Grama é Mais Verde em
um Lado da Hispaniola?"). O
trabalho oferece algumas respostas óbvias. Mas não trata do
colapso final da economia haitiana, causado pelos embargos
econômicos dos anos 90.
Em 1991, o presidente Jean-Bertrand Aristide foi derrubado. O golpe motivou sanções
econômicas dos Estados Unidos, de países da OEA e, em
1994, um embargo da própria
ONU. As exportações caíram
40% em 1994, para um terço do
nível de 1991. De 1992 a 1994, a
economia encolheu 30% (segundo dados da Cepal, a queda
foi de 22%, mas estatística no
Haiti é um problema). A receita
do governo caiu pela metade. O
país cresceu menos entre 1980
e 2000 do que de entre 1960 e
1980, sob os Duvalier. O embargo acabou de arruinar o restante da economia.
Parte importante da economia haitiana dependia da indústria têxtil e das maquiladoras, montadoras de produtos
para exportação, baseadas em
zonas francas -fabricavam bolas de beisebol, equipamentos
elétricos simples, brinquedos.
Segundo relatórios da ONU, em
meados dos anos 1980 as maquiladoras empregavam 80 mil
pessoas. Em 1990, existiam 252
maquiladoras, com já apenas
46 mil trabalhadores. Em 1995,
eram 44 empresas, com 6.000
empregados. Diz-se que as maquiladoras voltaram a empregar 20 mil pessoas em 2008.
O embargo arrasou o que havia restado de vivo na economia
haitiana. Sob a ditadura de
Jean-Claude Duvalier (1971-86), o que se pode chamar de
política macroeconômica do
país foi de vez à breca. Os gastos
e a corrupção explodiram. Para
piorar, como em toda a América Latina, os anos 1980 foram
de crise: a renda per capita encolheu em média 2% ao ano.
História e geografia
Jaramillo e Sancak dizem
que a geografia do Haiti e a da
República Dominicana são
muito semelhantes; a precariedade institucional também, ao
menos até 1960. A "origem histórica" não explicaria o desempenho díspar da economia dos
dois vizinhos. Observam de
passagem que a rapina dos ditadores haitianos pós-1960 viria
a ser muito maior do que a dos
dirigentes dominicanos, autocratas quase ditadores. Com
base num modelo estatístico,
dizem que a qualidade das políticas "estruturais", de estabilização econômica e a relativa
calmaria política deram vantagem aos dominicanos (além de
"reformas": abertura comercial, privatização etc). Que seja.
Mas por que as políticas haitianas seriam tão piores?
O médico François Duvalier,
Papa Doc, foi eleito em 1957, na
primeira eleição geral haitiana.
Fraudou sua reeleição em 1961
e se declarou presidente eterno
em 1964. Foi um ditador demente, assassino, ladrão, egomaníaco e genocida, "encarnação da pátria haitiana" responsável por desencarnar 30 mil
compatriotas por motivos políticos ou algo próximo disso.
Morreu em 1971. Seu filho,
Jean-Claude Duvalier, aliás
Baby Doc, e mulher, Simone, ficaram no poder até 1986.
Em 1960, contam Jaramillo e
Sancak, a expectativa de vida ao
nascer no Haiti era de 44 anos
(54 nos vizinhos). Não há dados
sobre analfabetismo para esse
ano, mas, em 1970, 78% dos
maiores de 15 anos eram iletrados no Haiti, contra 33% na República Dominicana. Miséria,
ditadura, insegurança provocaram a migração de muitos dos
melhores quadros haitianos.
Agricultura
O embargo e o tumulto político dos anos 1990 também
destruíram o resto da agricultura haitiana. Os agricultores
se endividaram, acabaram de
esgotar o solo e as florestas. A
agricultura comercial do Haiti
era café e açúcar, prejudicadas
por baixas nos preços, nos anos
1980. Mas preço nem de longe
foi o único problema. A produtividade e produção haitianas
de café eram tão baixas nos
anos 1980 que o país nem ao
menos conseguia atingir o limite das cotas de produção estipulados pelo cartel do produto.
A renda do café era apropriada por comerciantes e exportadores, um desincentivo à produção. A maioria das propriedades rurais é pequena e de baixa produtividade (agora ainda
menor). A estrutura fundiária
do país, derivada da grande reforma agrária da independência, pouco mudou desde o século 19. As propriedades, já pequenas, foram picotadas com o
aumento muito rápido da população; para piorar, a terra é
escassa, pois o país é montanhoso. A agricultura tradicional, de baixa produtividade,
aproveita mal a terra restante.
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