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ANÁLISE
Um país em busca de novos rostos
CRISTIAN BOFILL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando Ricardo Lagos entregou a faixa presidencial para
Michelle Bachelet, em 2005,
saiu do Palácio de la Moneda
com duas certezas. Primeiro,
um presidente popular sempre
consegue transferir apoio para
quem deseja ver como sucessor
ou, no caso, sucessora. Segundo, concluir o mandato com alto índice de aprovação é garantia para voltar à Presidência nas
próximas eleições (no Chile
não há reeleição imediata).
Quatro anos depois, essas
certezas se desmancharam no
ar. Lagos desistiu da reeleição
depois de despencar de quase
70% a menos da metade nas
pesquisas. Mais surpreendente
é que apesar da popularidade
de mais de 80% de Bachelet, a
direita chilena é favorita para
obter sua primeira vitória em
eleições presidenciais em mais
de meio século, colocando fim
ao reinado de 20 anos e quatro
governos da Concertação.
Uma das razões do favoritismo do empresário Sebastián
Piñera é que encarna uma direita mais liberal e muito menos vinculada à herança do general Augusto Pinochet.
Ele condenou as violações
aos direitos humanos, votou
contra Pinochet no plebiscito
de 1988 e na campanha se esforçou por ressaltar diferenças
com os setores mais conservadores de sua coalizão, especialmente em temas como a defesa
dos direitos dos homossexuais.
Mas as caraterísticas de Piñera, político com mais energia
que carisma, não explicam as
dificuldades de Bachelet na hora de transferir seus índices de
aprovação ao ex presidente
Eduardo Frei (1994-2000). Ele
obteve 29,6% no primeiro turno, contra 44% de Piñera.
No governo e na oposição há
consenso de que o eleitorado
faz uma avaliação positiva da
Concertação, sob cujos governos o país progrediu e se modernizou, mas que ele cansou
dos mesmos rostos.
Consciente disso, Piñera repete sempre que a coalizão de
governo prestou bons serviços
ao país, como a consolidação da
democracia e as políticas de
proteção social, mas "esgotou-se" e "é hora de mudar".
Para um ex-presidente é
mais difícil cativar um eleitorado ávido de renovação. Frei
tentou contornar o problema
aparecendo com políticos jovens e prometendo "dar responsabilidades a uma nova geração". Outros pilares de sua
campanha são lembrar o passado pinochetista da direita e pôr
em dúvida que Piñera possa separar seus interesses empresariais da política.
O desgaste da Concertação
não é um fenômeno recente. O
sucesso da figura de Bachelet,
há quatro anos, surpreendeu o
establishment da coligação.
Seus líderes só a apoiaram
quando nas pesquisas superava, de longe, seus dois pré-candidatos prediletos, ambos ex-ministros de Frei e Lagos.
Mas a principal evidência de
que há uma forte procura de
renovação foi a candidatura do
jovem deputado Marco Enríquez-Ominami, 36. Após renunciar ao Partido Socialista,
obteve 20% dos votos no primeiro turno com um discurso
baseado sobretudo em críticas
aos líderes e partidos da Concertação. No segundo turno
apoia Frei a contragosto.
Seja qual for o resultado, ninguém espera mudanças dramáticas num país onde há consensos básicos em torno do sistema político e da economia.
Mas, se Piñera ganhar, voltará à tona a obsessão dos políticos chilenos por fazer história.
Embora o país esteja democratizado faz tempo, muitos repetem que o fim do ciclo marcado pela ditadura de Pinochet
só vai ficar formalmente superado com a volta da direita ao
poder pelas urnas, algo que não
se vê por aqui desde 1958.
CRISTIAN BOFILL, 50, é diretor do jornal "La Tercera", de Santiago
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