São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Um país em busca de novos rostos

CRISTIAN BOFILL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Ricardo Lagos entregou a faixa presidencial para Michelle Bachelet, em 2005, saiu do Palácio de la Moneda com duas certezas. Primeiro, um presidente popular sempre consegue transferir apoio para quem deseja ver como sucessor ou, no caso, sucessora. Segundo, concluir o mandato com alto índice de aprovação é garantia para voltar à Presidência nas próximas eleições (no Chile não há reeleição imediata).
Quatro anos depois, essas certezas se desmancharam no ar. Lagos desistiu da reeleição depois de despencar de quase 70% a menos da metade nas pesquisas. Mais surpreendente é que apesar da popularidade de mais de 80% de Bachelet, a direita chilena é favorita para obter sua primeira vitória em eleições presidenciais em mais de meio século, colocando fim ao reinado de 20 anos e quatro governos da Concertação.
Uma das razões do favoritismo do empresário Sebastián Piñera é que encarna uma direita mais liberal e muito menos vinculada à herança do general Augusto Pinochet. Ele condenou as violações aos direitos humanos, votou contra Pinochet no plebiscito de 1988 e na campanha se esforçou por ressaltar diferenças com os setores mais conservadores de sua coalizão, especialmente em temas como a defesa dos direitos dos homossexuais.
Mas as caraterísticas de Piñera, político com mais energia que carisma, não explicam as dificuldades de Bachelet na hora de transferir seus índices de aprovação ao ex presidente Eduardo Frei (1994-2000). Ele obteve 29,6% no primeiro turno, contra 44% de Piñera. No governo e na oposição há consenso de que o eleitorado faz uma avaliação positiva da Concertação, sob cujos governos o país progrediu e se modernizou, mas que ele cansou dos mesmos rostos.
Consciente disso, Piñera repete sempre que a coalizão de governo prestou bons serviços ao país, como a consolidação da democracia e as políticas de proteção social, mas "esgotou-se" e "é hora de mudar". Para um ex-presidente é mais difícil cativar um eleitorado ávido de renovação. Frei tentou contornar o problema aparecendo com políticos jovens e prometendo "dar responsabilidades a uma nova geração". Outros pilares de sua campanha são lembrar o passado pinochetista da direita e pôr em dúvida que Piñera possa separar seus interesses empresariais da política.
O desgaste da Concertação não é um fenômeno recente. O sucesso da figura de Bachelet, há quatro anos, surpreendeu o establishment da coligação. Seus líderes só a apoiaram quando nas pesquisas superava, de longe, seus dois pré-candidatos prediletos, ambos ex-ministros de Frei e Lagos.
Mas a principal evidência de que há uma forte procura de renovação foi a candidatura do jovem deputado Marco Enríquez-Ominami, 36. Após renunciar ao Partido Socialista, obteve 20% dos votos no primeiro turno com um discurso baseado sobretudo em críticas aos líderes e partidos da Concertação. No segundo turno apoia Frei a contragosto.
Seja qual for o resultado, ninguém espera mudanças dramáticas num país onde há consensos básicos em torno do sistema político e da economia. Mas, se Piñera ganhar, voltará à tona a obsessão dos políticos chilenos por fazer história. Embora o país esteja democratizado faz tempo, muitos repetem que o fim do ciclo marcado pela ditadura de Pinochet só vai ficar formalmente superado com a volta da direita ao poder pelas urnas, algo que não se vê por aqui desde 1958.

CRISTIAN BOFILL, 50, é diretor do jornal "La Tercera", de Santiago



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