São Paulo, terça-feira, 17 de fevereiro de 2004

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RELIGIÃO

Pesquisa encomendada pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA apurou 11 mil queixas feitas de 1952 a 2002

Acusação de abuso atinge 4.450 padres

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

Uma pesquisa encomendada pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA cujo resultado deve ser divulgado no fim deste mês apurou que 4.450 padres nos EUA foram acusados de abusos sexuais de 1950 a 2002.
Uma versão preliminar do relatório, divulgada ontem com exclusividade pela rede de TV CNN, abordou mais de 11 mil acusações.
Os números definitivos da pesquisa serão revelados no dia 27 de fevereiro, mas, até o momento, a sondagem revela que, do total de 110 mil padres que serviram nos 52 anos, 4% estão envolvidos.
O relatório tem como base uma pesquisa feita em arquivos de igrejas de todo país. Os dados foram compilados pelo John Jay College of Criminal Justice, em Nova York, a pedido da conferência episcopal.
Os resultados mostram que contra mais da metade dos padres suspeitos de envolvimento em abuso sexual pesa apenas uma acusação. Outros 1.112 sacerdotes, ou 25% do total, têm entre duas e três acusações, 578 ( 13%) têm de quatro a nove acusações e 133 padres (3%) sofreram mais de dez acusações.
O relatório afirma também que 78% das supostas vítimas tinham entre 11 e 17 anos na época do abuso, enquanto 16% se situavam na faixa etária entre 8 e 10 anos e quase 6% tinham menos de 7 anos.
De acordo com o relatório, 61% das 11 mil acusações investigadas foram sustentadas por provas.
Bill Burleigh, membro da conferência, não quis comentar o relatório por se tratar de uma versão preliminar. Mas o diretor da "Survivors Network of Those Abused by Priests" (algo como rede de sobreviventes de abusos cometidos por padres) afirmou ontem que os números revelados pelo relatório são baixos diante da realidade.
"Os bispos tentaram esconder isso por anos, logo não há razão para acreditar que, de repente, eles mudariam os seus métodos", disse David Clohessy, integrante da rede. "A única coisa prudente a fazer é assumir que essa não é a verdade integral. É uma sondagem, mas não é o produto de uma investigação", completou.
Os números se assemelham aos de uma sondagem realizada pela agência Associated Press, divulgada na semana passada, sobre a dimensão dos abusos sexuais dentro da Igreja Católica dos EUA. Segundo a agência, 84 dioceses -das 195 existentes nos EUA- calculam que 1.413 padres tenham cometido abusos desde 1950 e 2.990 sofreram queixas.

Tema tabu
O debate sobre a conduta sexual dos sacerdotes tem causado mal-estar no meio eclesiástico. Para analistas, a questão da pedofilia também levanta debates a respeito do dogma da castidade e do celibato clericais. Essas discussões, avaliam, tornam a investigação de crimes sexuais ainda mais difícil.
Por esse motivo, a preparação do relatório pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA é interpretada como parte da campanha da igreja para tentar restaurar a sua credibilidade.
A própria pesquisa argumenta, porém, que o resultado desse trabalho pode ter sido prejudicado pela política interna da igreja.
Os esforços para evitar escândalos, a "falha" em reconhecer a gravidade da questão, a falta de centros de tratamento às vítimas, a "disposição para perdoar" e uma contabilidade insuficiente das acusações são apontados como os principais obstáculos para a elucidação dos crimes sexuais na igreja, registrados em vários países.
A crise de confiança na igreja americana começou há cerca de dois anos com uma série de escândalos e denúncias de abusos sexuais cometido por sacerdotes.
A revelação de que o padre John Geoghan molestou, em 1991, um menor detonou uma onda de acusações contra padres em Boston, que culminou em 2002, quando Geoghan foi condenado a dez anos de prisão.
Após esse caso, cerca de uma centena de outras queixas recaiu sobre a Arquidiocese de Boston.
À época, a CNN realizou uma sondagem para medir a avaliação da população a respeito da igreja: 73% dos católicos não aprovavam o modo como a cúpula eclesiástica tratava a questão do abuso sexual cometido por padres.
Entre católicos e não-católicos, o percentual subiu para 73%. Sondagens posteriores mostraram que esses números não recuaram.
Atualmente, mais de 44 mil padres estão em atividade nos EUA.


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